Em menos de dois anos, a Força de Defesa de Israel (FDI) assassinou mais jornalistas e profissionais da imprensa do que qualquer outro conflito já registrado. Segundo o Sindicato de Jornalistas Palestinos, 246 profissionais foram mortos desde 7 de outubro de 2023.
O número ultrapassa o total combinado de mortes de jornalistas em sete guerras históricas: a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Civil Americana, a Guerra da Síria, a Guerra do Vietnã (incluindo os conflitos no Camboja e no Laos), além das guerras na Iugoslávia e na Ucrânia.

Os dados referentes a esses conflitos são do Memorial Freedom Forum, que reúne registros de jornalistas assassinados em zonas de guerra ao longo da história. No caso da Ucrânia, os números foram contabilizados pelo Comitê de Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Um estudo da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, concluiu que a guerra em Gaza “é, simplesmente, o pior conflito de todos os tempos para repórteres”.
Denúncias de perseguição à imprensa
Diversas entidades internacionais afirmam que Israel tem como alvo os profissionais de mídia para impedir a cobertura da guerra na Faixa de Gaza, uma acusação negada pelo governo de Benjamin Netanyahu.
“Israel está se engajando no esforço mais mortal e deliberado para matar e silenciar jornalistas, já documentado pelo CPJ. Jornalistas palestinos estão sendo ameaçados, diretamente alvejados e assassinados pelas forças israelenses, além de serem arbitrariamente detidos e torturados em retaliação ao seu trabalho”, declarou o Comitê.
Israel também proíbe a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza sem escolta militar, restringindo a circulação de informações sobre o que ocorre no território ocupado.
Imprensa palestina sob ataque
Ainda no segundo mês da guerra, em 2023, ao menos 37 jornalistas foram mortos em Gaza. “O Exército israelense matou mais jornalistas em dez semanas do que qualquer outro Exército em um único ano”, destacou Sherif Mansour, coordenador do CPJ.
Segundo o Sindicato dos Jornalistas Palestinos, 520 profissionais foram feridos por disparos ou mísseis, 800 familiares de jornalistas morreram e 206 profissionais foram presos desde outubro de 2023 — destes, 55 seguem em detenção, incluindo 23 sob prisão administrativa, modalidade que dispensa acusação formal.
A entidade também denuncia que 115 veículos de comunicação foram destruídos em Gaza por ataques aéreos e de tanques, além do fechamento de cinco veículos de imprensa e de 12 gráficas na Cisjordânia e em Jerusalém. Israel, por sua vez, nega ataques deliberados contra jornalistas e costuma justificar algumas mortes associando repórteres ao Hamas. Essas alegações são questionadas por entidades internacionais de imprensa e direitos humanos.
Em fevereiro de 2024, Wael Al-Dahdouh, chefe local da Al Jazeera em Gaza, que perdeu esposa, três filhos e um neto em bombardeios israelenses, descreveu a profissão na região como “a mais mortal da história do jornalismo”.
Bombardeio ao Hospital Nasser
Um episódio que gerou forte repercussão ocorreu em 25 de agosto, quando o Hospital Nasser, em Khan Yunes, foi atingido duas vezes no mesmo dia. O segundo ataque ocorreu justamente enquanto jornalistas registravam os efeitos do primeiro. O bombardeio matou 20 pessoas, entre elas cinco jornalistas:

- Hussam Al-Masri, contratado da Reuters;
- Mohammed Salama, operador de câmera da Al Jazeera;
- Mariam Abu Dagga, fotojornalista freelancer do Independent Arabia e da Associated Press;
- os freelancers Ahmed Abu Aziz e Moaz Abu Taha.
Em nota, a FDI afirmou não alvejar civis intencionalmente e acusou o Hamas de utilizar o hospital como base de operações, algo negado pela organização palestina. O porta-voz militar Effie Defrin anunciou a abertura de uma investigação:
“O Chefe do Estado-Maior Geral instruiu que um inquérito seja conduzido imediatamente para entender as circunstâncias do que aconteceu e como ocorreu. Reportar de uma zona de guerra ativa traz imenso risco. Como sempre, apresentaremos nossas descobertas com a maior transparência possível.”
O Monitor Euro-Mediterrâneo de Direitos Humanos, sediado em Genebra, afirmou que os chamados ataques de “tiro duplo” têm como objetivo atingir socorristas, defesa civil e jornalistas.
“Essa prática transforma locais de resgate e a cobertura da mídia em armadilhas mortais, refletindo claramente a intenção premeditada de paralisar os esforços de socorro, silenciar testemunhas, destruir provas e privar civis de proteção.”
O caso Anas al-Sharif
Israel também acusa jornalistas de integrarem grupos armados, justificando assassinatos de profissionais de grandes veículos. Em outubro de 2024, seis repórteres da Al Jazeera foram acusados de ligação com o Hamas e a Jihad Islâmica. Entre eles estava o correspondente Anas al-Sharif, morto em 10 de agosto durante um ataque em frente ao Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza. Antes de morrer, o jornalista havia escrito uma mensagem prevendo sua morte:

“Vivi a dor em seus detalhes. Apesar disso, nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou deturpação, esperando que Deus testemunhasse aqueles que permaneceram em silêncio, aqueles que aceitaram nossa matança e aqueles que sufocaram nossas próprias respirações.”
Segundo o exército israelense, al-Sharif era “chefe de uma célula terrorista do Hamas”. A Al Jazeera repudiou a acusação e disse que ele e os colegas eram “as últimas vozes remanescentes de Gaza, oferecendo ao mundo cobertura in loco e sem filtros das realidades devastadoras sofridas por seu povo”.
O Monitor Euro-Mediterrâneo também contestou a versão militar:
“Atacar jornalistas nessas circunstâncias, com pleno conhecimento de seu papel e identificação clara, reflete um esforço sistemático para remover todos os meios de expor crimes, abrindo caminho para massacres mais amplos, isolados do escrutínio global.”
Jornalistas em meio à fome
Além dos riscos diretos, repórteres enfrentam a escassez de alimentos devido ao bloqueio israelense. Em julho, grandes agências como AFP, Associated Press, BBC News e Reuters alertaram para o risco de fome generalizada entre seus profissionais em Gaza.
“[Nossos jornalistas] estão cada vez mais incapazes de alimentar a si mesmos e suas famílias”, afirmaram em comunicado conjunto.
A Sociedade de Jornalistas da AFP destacou que, desde a criação da agência em 1994, seus profissionais já foram mortos ou presos em zonas de guerra, mas nunca havia ocorrido uma situação de repórteres ameaçados de morrer de fome. Israel, por sua vez, nega que haja fome em Gaza e afirma que organizações humanitárias têm feito a distribuição de alimentos. A versão, no entanto, contrasta com imagens de desnutrição extrema e com relatórios de organizações internacionais, incluindo agências da ONU, que apontam para a crise alimentar no enclave.