Na tarde de 3 de setembro de 1989, o Voo Varig 254 decolou de Marabá (PA) com destino a Belém (PA), em uma rota curta de pouco mais de 40 minutos. Operado por um Boeing 737-200, matrícula PP-VMK, o voo levava 48 passageiros e 6 tripulantes, totalizando 54 pessoas a bordo.
O que deveria ser uma viagem rotineira se transformou em um dos episódios mais marcantes da história da aviação brasileira, conhecido tanto pela sucessão de erros que levaram à tragédia quanto pela impressionante história de sobrevivência na floresta amazônica.
O erro de navegação
Logo após a decolagem, o comandante César Augusto Padula Garcez programou o curso da aeronave em direção a Belém. No entanto, uma falha de interpretação de um novo formato de plano de voo computadorizado levou a um desvio catastrófico.
O plano indicava a proa como “0270”, que significava o rumo magnético de 027,0°. O comandante, porém, interpretou como 270°, praticamente na direção oposta (oeste).
Assim, em vez de seguir para o norte, o Boeing tomou rumo oeste, adentrando cada vez mais o interior da Amazônia. Durante horas, a tripulação não percebeu o erro, em parte porque os instrumentos de navegação não foram checados corretamente e também pela ausência de sistemas modernos como o GPS.
O acidente na selva

Com o combustível se esgotando e sem conseguir localizar Belém, a tripulação tentou identificar aeroportos alternativos, mas já era tarde. Após quase cinco horas de voo, ambos os motores pararam.
Por volta das 21h06, o comandante Garcez realizou um pouso forçado em uma área de selva fechada, próxima a São José do Xingu, no Mato Grosso. A aeronave se partiu em vários pedaços, e o impacto resultou em 12 mortes. Os 42 sobreviventes enfrentaram dias de provações: fome, sede e isolamento em plena floresta.
A localização dos destroços ocorreu após dois dias de intensas buscas, depois que um grupo de sobreviventes conseguiu chegar a uma fazenda e pedir ajuda. O resgate foi feito por helicópteros da Força Aérea Brasileira (FAB) e se estendeu pelos dias seguintes.
As investigações e as mudanças
O CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) concluiu que a causa principal foi a interpretação equivocada do plano de voo. No entanto, o relatório apontou fatores contribuintes cruciais: a falha de design do plano de voo da Varig, que era ambíguo, e a falta de treinamento adequado para o novo sistema.
O acidente também deixou evidente vulnerabilidades graves nos procedimentos da companhia, na forma de apresentação dos planos de voo e na própria cultura de comunicação na cabine (CRM – Crew Resource Management).
Como consequência, mudanças significativas foram implementadas na aviação brasileira:
- Padronização nos planos de voo, com a eliminação de ambiguidades nos dados de rota.
- Treinamentos mais rígidos sobre navegação e, principalmente, sobre Fatores Humanos e CRM, incentivando a comunicação e a checagem cruzada entre pilotos.
- Adoção gradual de sistemas de navegação inercial e, posteriormente, GPS, que reduzem drasticamente o risco de erro de rumo.
A famosa fake news do jogo do Brasil
Logo após o acidente do Varig 254, surgiram boatos de que os pilotos teriam se distraído assistindo a um jogo da seleção brasileira pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 1990, o que explicaria o desvio de rota.
Na época, a história se espalhou rapidamente e ganhou força porque o acidente ocorreu em 3 de setembro de 1989, justamente no mesmo dia em que o Brasil enfrentou o Chile no histórico “Jogo do Maracanã”, marcado pelo episódio do goleiro Roberto Rojas.
No entanto, a investigação do CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) e os depoimentos dos sobreviventes desmentiram completamente essa versão.
Com o tempo, a história de que os pilotos “pararam para assistir ao jogo” foi sendo repetida em rodas de conversa e até em alguns programas de TV, mas permanece apenas como uma lenda urbana ligada à tragédia.
Legado
Mais de três décadas depois, o acidente do Voo Varig 254 ainda é lembrado como um marco de aprendizado na aviação nacional. A tragédia foi um exemplo clássico de como um erro humano pode ser o estopim de um desastre, mas que as causas profundas geralmente residem em falhas sistêmicas e organizacionais.
A história também se tornou um símbolo de resiliência: o sofrimento e a força dos sobreviventes na selva mostraram não apenas os riscos da aviação, mas também a capacidade humana diante do improvável.