O arsenal emocional de Bolsonaro

Análise de como Jair Bolsonaro utiliza estrategicamente a emoção, a vitimização e a ameaça como ferramentas de persuasão em seu discurso político

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Joédson Alves/Agência Brasil

Não é de hoje que a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro suscita as mais diversas emoções. Para uns surge ojeriza, para outros um sentimento de que ele seria um representante divino como os reis absolutistas. Mais do que um traço pessoal, essa capacidade de provocar sentimentos diversos revela-se como um componente estratégico central da sua retórica política. Embora seja considerado pouco inteligente por críticos, Bolsonaro tem o suporte de aliados que contribuem para a construção de discursos com apelo emocional.

Neste contexto, a retórica, compreendida como o uso da linguagem para persuadir, torna-se uma ferramenta fundamental, ainda mais em tempos de polarização política. Assim como o dinheiro tem o papel essencial na dinâmica capitalista, a retórica desempenha função estratégica na política contemporânea.

Este ensaio tem como objetivo analisar como Jair Bolsonaro mobiliza emoções em seus discursos por meio de três tipos de argumentos descritos por FIORIN (2015): ad populum, ad misericordiam e ad baculum. A partir dessa perspectiva teórica, propõe-se compreender de que forma tais recursos são utilizados para influenciar o público, consolidar sua imagem e exercer poder simbólico sobre seus seguidores.

No primeiro tipo de argumento “apela-se aos sentimentos coletivos de uma plateia, explorando tanto as emoções positivas quanto os preconceitos, para ganhar a adesão a uma tese que não se sustenta em razões pertinentes ao tema em discussão” (Fiorin, p. 224, 2015).  

Já o ad misericordiam seria “aquele que apela para a piedade, ao mostrar alguém como digno de pena. Nele, também se explora o sentimento de culpa, a simpatia por alguém ou uma causa.” (Fiorin, p. 225, 2015). Nesse âmbito, o argumento teria a função de desviar o foco para a sensibilidade e o sentimentalismo.

Enquanto o ad baculum concentra-se em apelar “para a força. É um argumento voltado para o futuro, pois o enunciador força o enunciatário a aceitar sua proposta, recorrendo a uma ameaça, a uma proibição, a um valor negativo”.  (Fiorin, p. 227, 2015).

É possível notar que muitas falas de Bolsonaro se encaixam nesses tipos de argumentos. Nesse sentido, é preciso trazer um primeiro exemplo recente, inclusive ocorrido em Aparecida de Goiânia. Na ocasião, Bolsonaro foi à Câmara de Vereadores para receber o título de cidadão aparecidense.

Ao fazer seu discurso, teve de fazer uma breve pausa: “desculpa, eu tô muito mal tá? Vomito dez vezes por dia.” (Poder360, 2025). Esse gesto vai ao encontro justamente do argumento ad misericordiam na medida em que ele busca dizer que está com sua saúde debilitada, gerando uma empatia por parte de seus apoiadores. Enquanto isso, seus críticos relembram uma de suas falas durante a pandemia de Covid-19 quando questionado sobre número de mortes “não sou coveiro” (UOL, 2020).

O contexto social não está descolado da fala, considerando que ele enfrenta um processo no Supremo Tribunal Federal relacionado à trama golpista, esse esforço de querer passar uma possível imagem de senhor idoso e frágil faz todo o sentido e é uma imagem bem diferente de quando esbravejou na Avenida Paulista, no 7 de setembro de 2021, chamando o Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, de canalha: “sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha! Deixa de oprimir o povo brasileiro!” (O Tempo, 2021)

Por vezes ele dá declarações à imprensa dizendo que estaria sendo perseguido e que se for preso vai “morrer na cadeia” (O POVO, 2025). Se o brasileiro médio não consegue perceber essa contradição, cai justamente no ad misericordiam, acreditando que ele seria um pobre velhinho que não fez nada e que estaria sofrendo com a má vontade da Justiça frente aos seus adversários políticos.

Cerca de 10 dias antes do episódio de Aparecida de Goiânia, ele teve de depor ao STF justamente pelo suposto envolvimento na trama golpista. Lá, chamou seus apoiadores de loucos. “Tem sempre os malucos ali, que ficam com aquela ideia de AI-5, intervenção militar, que as Forças Armadas, os chefes militares, jamais iam embarcar nessa (…) até porque não cabia isso aí” (Carta Capital, 2025). Nessa toada, é possível perceber um movimento de distanciamento da sua própria base, e assim, incorre aos sentimentos do auditório na oitiva com as autoridades.

É possível fazer uma associação com o ad populum, dado que, ele quer limpar a sua barra, apelando à sensatez e procurando conquistar a simpatia dos presentes: a imprensa, ministro Alexandre de Moraes, Procurador Geral da República Paulo Gonet, o próprio exército e quem o assiste pela transmissão da TV.

Para reforçar essa atitude, Bolsonaro até faz uma brincadeira com Moraes: “eu gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 26”. (UOL, 2025). A fala gerou risada em todos, até mesmo no ministro. A fala, além de ser irônica, isto é, simboliza o contrário do que se diz, tem a utilidade de conquistar o auditório.

Até quando ele não tenta mobilizar sua base, as emoções que ele aflorou no passado seguem vivas e parecem sair da cova: “você não entendeu ainda que a única pessoa que pode salvar a sua vida é o presidente Bolsonaro. E, portanto, não cabe crítica nenhuma, nunca. Nem no passado, no presente e nem no futuro.” (Arvro, 2025).

Esta fala foi vazada por um infiltrado em um grupo bolsonarista no aplicativo Telegram. Ela é um indício muito forte do nível de influência de Bolsonaro sobre os sentimentos, as paixões e as mentes de alguns de seus apoiadores, que, mesmo sendo apontados como loucos, decidem aceitar a fala como se nada fosse.

 Outra situação que pode ser utilizada, agora no contexto do argumento ad baculum, é a que ocorreu durante as eleições de 2022. Nesse contexto, Bolsonaro falava e reiterava publicamente que Lula iria fechar igrejas.

Fonte: (Bolsonaro, 2022)

Ele não cita diretamente Lula, trabalha com o implícito, já que os que “amam o vermelho” é uma clara referência ao Partido dos Trabalhadores (PT) e como Lula é praticamente o rosto do PT, não é preciso raciocinar muito para chegar nesta conclusão de um ataque ao seu principal concorrente nas eleições de 2022.

Ele ataca, sem qualquer prova, o seu adversário e faz essa ameaça velada de que ele seria uma solução para essas características que seriam os problemas do outro lado político. Mesmo sendo desmentido e circulando na grande mídia, o tweet permanece disponível na internet até hoje.  

Por fim, é possível concluir que Bolsonaro, ao empregar os recursos ad populum, ad misericordiam e ad baculum, tira do foco a racionalidade e a proposição de soluções concretas e parte para a manipulação de medos, ressentimentos e identificações emocionais.

O ex-presidente constrói sua força simbólica a partir do momento em que mobiliza sentimentos, ora buscando empatia por meio da vitimização, ora despertando medo e hostilidade ao adversário. Mesmo quando tenta se dissociar de sua própria base, os efeitos de seus discursos continuam a operar, mantendo vínculos emocionais.

Conforme apontado no decorrer desse ensaio, a retórica bolsonarista se afasta da lógica racional e aposta em meios de persuasão emocional para manter a sua relevância no cenário político nacional. Assim, o estudo das estratégias argumentativas centradas no páthos termina sendo fundamental para compreender os desafios da retórica política no Brasil atual e os efeitos no debate público.

REFERÊNCIAS

ARVRO. Bolsonaristas enlouquecem com o que Jair disse no STF. YouTube, 12 jun. 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DnH54rU-lxo. Acesso em: 28 jun. 2025.

BOLSONARO, Jair. É preciso estar atento. A partir de hoje, mais do que nunca, os que amam o vermelho passarão a usar verde e amarelo, os que perseguiram e defenderam fechar igrejas se julgarão grandes cristãos, os que apoiam e louvam ditaduras socialistas se dirão defensores da democracia. [S.l.], 16 ago. 2022. Twitter/X: @jairbolsonaro. Disponível em: https://x.com/jairbolsonaro/status/1559550050296004611. Acesso em: 28 jan. 2024.

CARTA CAPITAL. Bolsonaro chama de ‘malucos’ bolsonaristas que pediam intervenção e AI-5. YouTube, 10 jun. 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/shorts/zOb7521HXi4. Acesso em: 28 jun. 2025.

FIORIN, José Luiz. Argumentação. São Paulo: Editora Contexto, 2015.

O POVO. “Eu vou morrer na cadeia”, declara Bolsonaro sobre possibilidade de condenação. YouTube, 16 maio 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jDOeGp_znIA. Acesso em: 28 jun. 2025.

O TEMPO. Jair Bolsonaro: ‘Sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha!’. YouTube, 7 set. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ctXn5bG2vOs. Acesso em: 28 jun. 2025.

PODER360. Vomito 10 vezes por dia, diz Bolsonaro. YouTube, 20 jun. 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HBIIEwfCapU. Acesso em: 28 jun. 2025.

UOL. Bolsonaro brinca com Moraes e o ‘convida’ para ser vice dele em 2026 e ministro rebate: ‘Eu declino’. YouTube, 10 jun. 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bR_DIFjZNic. Acesso em: 28 jun. 2025.

UOL. Bolsonaro sobre número de mortos por Covid-19: “Não sou coveiro”. YouTube, 20 abr. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aIpUbYjjdn0. Acesso em: 28 jun. 2025.

(Ensaio livre produzido durante a disciplina: Introdução aos Estudos de Retórica e Argumentação 30/06/2025)

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