No primeiro dia de julgamento, realizado ontem, o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, fez um discurso contundente contra a tentativa de ruptura democrática articulada durante o governo Bolsonaro. Na sequência, leu o relatório do processo e, antes do intervalo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou em detalhes as acusações contra os oito réus.
Já no período da tarde, o STF ouviu as sustentações orais das defesas de quatro acusados: Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal.
No segundo dia do julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), as defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de três generais — Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto — apresentaram suas argumentações. O foco principal dos advogados foi desqualificar a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e questionar a lisura do processo. A sessão, que durou quase quatro horas, terminou nesta quarta-feira (3) e será retomada na próxima terça-feira (9) com os votos dos ministros.
Augusto Heleno
O advogado Matheus Milanez, que representa o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), defendeu que seu cliente se distanciou de Bolsonaro ao fim do mandato presidencial. Ele argumentou que, por esse motivo, o general nunca conversou com o ex-presidente sobre qualquer tentativa de golpe.
Para provar o afastamento, Milanez destacou que Heleno mal se reunia com Bolsonaro depois que o ex-presidente se filiou ao PL e se aproximou do “Centrão“. O advogado citou depoimentos de servidores do GSI que confirmaram a “clara redução da influência do general”. Ele ainda apresentou como prova uma anotação na agenda de Heleno onde ele sugeria que Bolsonaro tomasse a vacina da Covid-19, um ato que o ex-presidente sempre rejeitou.
A defesa de Heleno também contestou as acusações da Procuradoria-Geral da República. Matheus Milanez citou uma fala do general em que ele dizia ser “necessário fazer alguma coisa antes das eleições”, mas argumentou que a frase tinha um sentido legalista, não golpista, criticou o ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de se tornar “protagonista do processo” e de extrapolar o papel de juiz. O advogado também desqualificou o uso da agenda de Heleno como prova, afirmando que ela foi manipulada pela Polícia Federal e que não há registros de diálogos de Heleno com outros interlocutores da trama golpista.
Jair Bolsonaro
Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, defendeu a completa inocência do ex-presidente, afirmando que não há uma única prova que o ligue aos atos golpistas de 8 de janeiro, ao plano de assassinar autoridades ou a qualquer tentativa de golpe. O defensor concentrou seus ataques na delação de Mauro Cid, chamando-o de “não confiável” e argumentando que o acordo de colaboração premiada deveria ser anulado.
Vilardi listou uma série de argumentos para tentar descredibilizar Cid, incluindo o fato de ele ter supostamente mudado a versão dos fatos várias vezes. O advogado citou relatórios da própria Polícia Federal e do Ministério Público que apontaram “inúmeras omissões e contradições” do delator. Ele afirmou que Cid foi “dirigido” e “induzido” a implicar Bolsonaro.
O advogado também alegou cerceamento de defesa, dizendo que não teve acesso a todas as provas e que o prazo para análise de mais de 70 terabytes de dados foi insuficiente. Ele mencionou que essa é a primeira vez que atua em um processo sem conhecer a íntegra da prova. Vilardi reiterou que Bolsonaro não incitou movimentos golpistas e que as medidas discutidas por seu núcleo estavam dentro da Constituição.
Como prova de que Bolsonaro não queria um golpe, o advogado citou que o ex-presidente facilitou a transição de governo, fazendo a ponte entre os comandantes das Forças Armadas e o futuro ministro da Defesa, José Múcio.
Paulo Sérgio Nogueira
O advogado Andrew Fernandes, que representa o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, afirmou que seu cliente atuou para demover Bolsonaro de qualquer tentativa de golpe. Ele argumentou que a prova da inocência de Nogueira está no fato de que outros membros da suposta organização criminosa queriam tirá-lo do cargo, pois o viam como um obstáculo aos planos golpistas.
Andrew Fernandes citou o depoimento do brigadeiro Batista Júnior, ex-comandante da Força Aérea, como prova “contundente” de que Nogueira se posicionou “totalmente contrário a qualquer medida de exceção“.
Ele também ressaltou que o general não estava presente na reunião do “gabinete de crise” da suposta trama. O advogado reconheceu que uma fala de Nogueira sobre a fiscalização das urnas ser para “inglês ver” foi “infeliz“, mas reforçou que ele não fez parte de nenhuma conspiração.
Walter Braga Netto
José Luis Mendes de Oliveira Lima, o Juca, advogado do general Walter Braga Netto, atacou a validade da delação de Mauro Cid e afirmou que seu cliente pode ser condenado a morrer na cadeia com base em um acordo “mentiroso”.
O advogado questionou a voluntariedade de Cid na delação, lembrando áudios em que o ex-ajudante de ordens disse ter sido coagido. Juca afirmou que o delator deu 15 versões diferentes para os fatos e que a acusação mais grave contra Braga Netto, a de que ele teria recebido uma grande quantia em dinheiro para financiar o golpe, só apareceu 15 meses depois do primeiro depoimento de Cid.
Juca chamou Cid de “irresponsável” e “artista de péssima qualidade”. Ele defendeu que a delação “não para em pé” e que “não se pode condenar alguém com base em narrativas, mas com base em provas”. O advogado também reclamou do “curto prazo” para a defesa analisar os documentos do processo. Ele pediu a absolvição de seu cliente, que, segundo ele, é inocente.
Próximos passos
O Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento no dia 9 de setembro, quando os ministros começam a apresentar seus votos sobre Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de envolvimento em tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma definirá a condenação ou absolvição por maioria simples — ou seja, pelo menos três votos.
A votação seguirá este calendário:
- 9 de setembro: das 9h às 12h e das 14h às 19h;
- 10 de setembro: das 9h às 12h;
- 12 de setembro: das 9h às 12h e das 14h às 19h, com a divulgação da sentença.
Os ministros votarão na seguinte ordem: Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Mesmo em caso de condenação, a prisão não será imediata. A pena só terá validade após o fim do processo e esgotamento dos recursos. A decisão final pode estabelecer:
- tempo de prisão e punições administrativas;
- perda de cargos públicos e mandatos, se a pena superar quatro anos;
- indenização por danos materiais ou morais coletivos.
A Constituição prevê que condenados com sentença definitiva perdem os direitos políticos, o que impede o exercício do voto e a candidatura. Parlamentares também podem perder mandatos. Além disso, condenações por organização criminosa podem enquadrar os réus na Lei da Ficha Limpa, que estabelece inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena.
Para os militares, a perda de postos e patentes ocorre se a Justiça Militar os declarar indignos ao oficialato, em casos de penas superiores a dois anos.