
A realidade virtual (RV) está transformando o campo da saúde mental, oferecendo novas possibilidades para o tratamento de transtornos como ansiedade, fobias e estresse pós-traumático (TEPT). A combinação com inteligência artificial (IA) promete personalizar ainda mais as terapias, mas levanta questões sobre privacidade, acesso e o papel dos profissionais de saúde mental em um futuro cada vez mais tecnológico. Carlos Vinicius Gomes Melo, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP e fundador da EduWellTech, empresa dedicada à pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde mental de estudantes universitários com uso de inteligência artificial, comenta: “A realidade virtual aqui não é apenas uma extensão do real, mas uma construção simbólica do que pode ativar memórias, desejos, traumas e, portanto, requer cuidados éticos e epistemológicos”.
A RV é uma tecnologia imersiva que simula ambientes tridimensionais por meio de óculos ou sensores, permitindo interações realistas. O professor explica que “o virtual representa o potencial de realidade, algo que, embora concretizado no mundo físico, é experienciado de forma vivida e significativa, ou seja, é um paradoxo muito central para a psicologia, no sentido de que o real, apesar de não ser material, pode gerar reações muito reais na dimensão corporal e psicológica. Então, é interessante observar esse paradoxo do que é real e do que é virtual, sendo que o virtual interfere muito na realidade.”
“Esses ambientes virtuais podem ser adaptados especificamente às necessidades de cada paciente e isso permite que nós, psicólogos ou terapeutas ou médicos, consigamos ajustar esses estímulos e a intensidade das exposições conforme o progresso do tratamento. E especificamente, por exemplo, em relação à ansiedade ou fobias específicas, a realidade virtual é exatamente nesse ponto de gradualmente expor os pacientes aos objetos ou às situações que provocam esses medos ou ansiedade”, destaca o professor.
Apesar dos avanços, há desafios significativos para o tratamento através da RV. A imersão nesse ambiente pode intensificar as questões específicas de cada indivíduo se não forem devidamente monitoradas ou devidamente ajustadas. Outros riscos a se considerar estão associados a efeitos físicos, que podem ser diversos, como náuseas, tontura, fadiga ocular e dores de cabeça, que podem resultar do cansaço visual, devido à proximidade da tela.
Dependência tecnológica
O professor alerta ainda que o uso excessivo de ambiente virtual pode reduzir a interação social no mundo real e também gerar uma dependência tecnológica, ou seja, o risco de pacientes se tornarem excessivamente dependentes dessas tecnologias para enfrentar essas situações. Além do alto custo e da necessidade de treinamento de profissionais específicos que possam implementar de forma eficiente e competente essas habilidades no processo terapêutico, isso representa um desafio adicional – ao não ter profissionais qualificados para isso, eles podem correr riscos de piorar o quadro.
Sensores e algoritmos de inteligência artificial podem avaliar continuamente as reações fisiológicas e emocionais do paciente durante as sessões mediadas pela realidade virtual, e isso permite ajustes imediatos do cenário, que está exatamente nesse processo de personalização, e isso tem o potencial de ser um ajuste imediato no cenário virtual que pode otimizar a eficácia do processo terapêutico. Já a integração com IA promete revolucionar os tratamentos, analisando dados em tempo real para adaptar cenários às respostas emocionais dos pacientes. No entanto, essa personalização extrema também traz dilemas. Algoritmos podem prever intervenções mais eficazes, mas exigem rigor ético para evitar violações de privacidade. A tecnologia deve ser uma ferramenta, não um substituto para o terapeuta.
Melo destaca que “embora essas evidências pareçam promissoras, há a necessidade de mais pesquisas para confirmar a eficácia da realidade virtual em diferentes populações e contextos clínicos. São [resultados] positivos, mas não têm uma variabilidade populacional ou de quadros clínicos diversos, acerca da eficácia e da melhora, na adesão ao tratamento com a realidade virtual. Então, é importante produzirmos mais material e estudos rigorosos, que avaliem, de fato, essa eficácia”.
O professor comenta que o avanço da realidade virtual no contexto da inovação em saúde mental caminha muito lado a lado com outras tecnologias, como inteligência artificial, e pode ser um cenário em que o desenho centrado no humano se torne imperativo, de modo a integrar essas soluções na política de saúde ou nas políticas públicas universitárias. A EduWellTech, por exemplo, exige diálogos específicos entre ciência, sociedade e a governança.
*Com Jornal da USP – Bernardo Carabolante, sob supervisão de Paulo Capuzzo