Em homenagem ao dia dos advogados, em 11 de agosto!…
O advogado era iniciante nas lides forenses, porém tinha enorme força de vontade e queria vencer na vida. Não passava pela sua cabeça ser apenas um profissional do direito, mas, sim, o melhor advogado da região. Com esse intento, atendia com presteza as pessoas que o procuravam e desenvolvia com sabedoria e competência a profissão, em defesa dos direitos de seu constituinte.
Uma de suas primeiras causas foi um crime cometido por um tal Virgulino, um sujeito de conduta reta e humilde, morador na roça, lá das bandas do Rio dos Bois. A desafeta era sua mulher, uma coitada que na hora do aperto só sabia chorar e nada mais.
O marido tinha o desenxabido costume de beber. E quando o fazia – fato que se repetia a cada final de semana –, aplicava na convivente uma leve surra, sem grandes consequências físicas. Ela até que já estava acostumada com aquele tratamento. Sabia que se quisesse conviver com ele teria de sujeitar-se ao seu comportamento extravagante. E ela queria, porque, apesar de tudo, amava o brutamonte.
Naquela oportunidade, no entanto, Virgulino errou a mão e quebrou-lhe o maxilar inferior. “Não foi por gosto meu não, é que eu tinha bebido meio muito, e quando eu bebo além da conta não vejo direito o que tou fazendo”, justificava o marido, arrependido de sua falcatrua. Também pudera, um negão musculoso, desse tamanhão, acostumado a pegar boi pelo chifre e a amansar burro bravo!…
Felizmente a intervenção da medicina conseguiu desentortar a boca da vítima sem muita delonga, para dentro de pouco tempo voltar a ser beijada e acariciada por Virgulino.
Ele até que era um bom marido, mas fora da pinga. Quando bebia, não respondia pelos seus atos e aí o fuá estava armado. Tem gente que faz uso do álcool e fica mansinho feito um cordeiro; outros reclamam da vida e choram, e choram de dar dó; outros mais ficam bem de situação, pagam as dívidas e posam de ricos; outros ainda se acham no direito de tornarem-se valentes e brigões. Este era o caso de Virgulino.
Pois bem, após o estrago produzido nos maxilares da esposinha, o marido foi constrangido a responder na justiça por processo de lesão corporal. A mulher até que queria retirar a queixa, mas o juiz explicou-lhe que não tinha mais jeito, que dali por diante a sorte do réu ficava por conta exclusiva do poder judiciário.
Nessas alturas dos acontecimentos, Virgulino encontrava-se visivelmente envergonhado e arrependido do ato praticado. Verdade que era pinguço contumaz, porém jamais fizera uma estripulia daquela magnitude. Por isso ficou assustado. Morria de medo de ser condenado e preso. Foi aconselhado a procurar um bom advogado criminalista. E a indicação recaiu justamente no advogado principiante, já identificado acima.
Virgulino não escondia a preocupação e pedia incessantemente:
— Doutor, eu vou ser preso? Eu não posso ser preso, doutor! Eu gosto demais da minha esposinha, não posso ficar longe dela.
— Não, você não vai ser preso — afiançou o seu defensor, mas para que as coisas não fiquem mais difíceis do que estão, diga ao juiz que está arrependido e que você se compromete a nunca mais fazer uma besteira dessas mais.
— Doutor, estou muito arrependido de verdade, não faço isso mais nunca com a minha esposinha! Coitadinha, né doutor!…
— Palavra de homem?
— Palavra de um homem arrependido, doutor.
O processo correu os seus trâmites legais. O juiz ouviu o réu e sua esposa, e o defensor caprichou na sua defesa e desenvolveu um trabalho primoroso. Buscou os antecedentes do acusado, fez ouvir testemunhas idôneas, mostrou que ele estava reconciliado com a esposa e com os filhos e, por fim, acabou colocando Virgulino em liberdade.
Passado o susto, era chegada a hora do acerto dos honorários combinados. Era das primeiras receitas que deveriam advir da profissão que o jovem causídico abraçara com tanto esmero e na qual depositava todas as esperanças de um futuro melhor e mais digno para sua família.
Mas eis a surpresa: o defendido não tinha com que pagar os serviços prestados pelo advogado. Na verdade, não tinha um couro para morrer em cima. Pobre de dar dó. Homem direito, era verdade, mas dinheiro que era bom, nada. Um tanto constrangido, ele empenhava a sua palavra:
— Eu quero pagar o senhor, doutor! Eu vou pagar. O senhor foi muito bom pra mim. Pra mim e pra minha esposinha.
— Nós havíamos combinado o preço do serviço, pra ser pago no final de tudo!…
— Pois é, doutor! Prometo trabalhar dia e noite e a hora que eu tiver o dinheiro eu vou acertar tudim. O doutor fez um bom serviço, tá todo mundo elogiando, não pode ficar sem receber não.
O profissional não se deu por rogado. Diante das informações colhidas de um e de outros que o conheciam e que confirmavam a hipossuficiência do defendido, decidiu perdoar-lhe a dívida, ao que Virgulino, emocionado, prometeu presenteá-lo com um franguinho caipira, criado lá na roça, tão logo voltasse à cidade.
O tempo passou. O defensor esqueceu-se daquele caso. Contudo, um belo dia, quando de novo se encontraram, Virgulino, mostrando-se solícito e agradecido, contou-lhe muitos casos: que havia largado a bebida e plantado roça nova, que a mulher estava grávida de novo… E no final perguntou:
— E o franguinho, doutor, tava gostoso?
— Que franguinho, Virgulino? – indagou, surpreso, o advogado.
— Uai, o que eu truxe de presente pro doutor, num tá lembrado não!?… Num vai dizer que o doutor esqueceu!…
— Não, Virgulino, está havendo um grande engano: não recebi frango algum!
— O doutor tá brincando!… Pois eu entreguei nas mãos do doutor, lá na barbearia do Fanim, o doutor não lembra não? Uai, desculpa, mas o doutor anda meio esquecido!…
— Virgulino, já disse, está havendo um engano nesse meio, você deu esse frango foi pra outra pessoa, não foi não?
— Claro que não, doutor! Imagina se eu ia enganar com a filosomia do doutor!…
Foi aí que o profissional da advocacia deduziu o que podia ter acontecido de verdade. Estava parecendo coisa do Bento, seu sósia, um amigo muito brincalhão, que não saía lá da barbearia do Fanim e que por vezes era confundido com o advogado por serem muito parecidos um com o outro.
— Já sei o que aconteceu, vou-lhe apresentar um sujeito muito sem-vergonha, que pode ter comido o tal frango no meu lugar, fingindo que era eu.
— Não é possível!… Mas então o doutor tem que meter esse bandido na cadeia!…
— Precisa não. Eu vingo dele depois. Por hora vou rogar uma praga nele que é pra não esquecer nunca mais.
— Devera, doutor! E o que é?
— Ele vai passar a noite inteira com caganeira, obrando até o intestino!
Quando o jovem causídico chegou à barbearia do Fanim, lá na praça de Silvânia, acompanhado daquele negão enorme, o Bento estava rindo que dava gosto, e os recebeu em gargalhadas.
Virgulino ficou admirado ao ver a semelhança entre aquelas duas pessoas que nem parentes eram, apenas amigos. E começou a rir também, cochichando com o advogado:
— Então, doutor, é esse aí que o senhor falou que vai cagar a noite inteira, de dor de barriga?
— Que você acha, Virgulino?
— Eu acho é pouco, doutor, merecia mais!… Quanto ao frango, pode deixar que eu trago outro pro senhor, o senhor merece.