Tár: quando poder, identidade, arte e ética colidem

Lançado em 2022 sob a direção de Todd Field, Tár é um drama psicológico que agrada em diversos níveis.

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Foto: Divulgação/Universal Pictures

Que Cate Blanchett é uma das maiores atrizes do século XXI, quase todo mundo sabe. Mesmo quem não acompanha de perto o mundo do cinema conhece, ao menos por alto, a solidez de sua carreira — seja por sua presença marcante em O Senhor dos Anéis, O Hobbit, Elizabeth ou O Curioso Caso de Benjamin Button (apesar de tropeços pontuais, como Borderlands).

Quem a viu ganhar o Oscar de melhor atriz por Blue Jasmine terá uma grata surpresa ao encontrá-la em Tár, no papel da maestro (ou maestrina) Lydia Tár. É possível afirmar, com segurança, que essa é uma das melhores atuações de todas a sua carreira — só não premiada com o Oscar, talvez, por conta do favoritismo da Academia por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, e porque Michelle Yeoh também entregou uma performance à altura.

Tár é um filme sobre escolhas — como elas nos moldam, nos limitam e, quando mal feitas, inevitavelmente cobram seu preço. Não adianta varrer um problema para debaixo do tapete: mais cedo ou mais tarde, esse mesmo problema ganha vida e te devora. Não é um filme fácil, mas vale a pena.


A regência do poder

Logo nos primeiros minutos, com créditos longos e uma trilha indígena ritualística, o filme já dá pistas sobre o rumo que pretende seguir. A entrevista inicial com Tár serve como introdução à complexidade do universo da regência e, simultaneamente, como sinal de que há muito mais camadas naquela personagem do que aparenta.

Aos poucos, dá para ir percebendo como Lydia Tár se comporta, pelo menos fisicamente, como um sol em torno do qual todos orbitam — mas um sol que descarta planetas quando deixam de servir. Essa dinâmica pode espelhar, sob certa óptica, o papel do maestro: o responsável por ditar o tempo, o ritmo e a harmonia da orquestra. A metáfora vai além da música — é também sobre controle e manipulação social.

Intriga imaginar como a recepção ao filme talvez mudaria se o personagem fosse um homem. Uma mulher, lésbica, manipuladora, seduzindo jovens em troca de favores que beiram o abuso — choca mais por ser uma mulher? A inversão de expectativas é um dos assuntos que o filme propõe discutir.


Obra e autor: separação possível?

Um dos momentos mais provocativos do longa ocorre quando um estudante afirma se recusar a estudar Bach, por conta de uma falta de identificação com essa figura histórica. Lydia Tár rebate com o argumento de que desconsiderar a obra por causa do autor é um erro. A reflexão é incômoda, mas necessária: se toda produção de conhecimento anterior for descartada por falhas éticas dos autores, a sociedade vai levar um tempinho para se reestruturar.

Dostoiévski era viciado em apostas, o que certamente pode ter levado sofrimento à sua família. H.P. Lovecraft foi abertamente racista. Kant escreveu textos em que justificava hierarquias raciais. Ainda assim, todos são lidos e discutidos até hoje. O talento, claro, não isenta ninguém de responsabilidade, mas a discussão sobre legado e cancelamento não é simples — e o filme mergulha nessa ambiguidade sem oferecer respostas fáceis.


Entre o místico e o psicológico

O tempo é um tema recorrente — e não apenas no aspecto musical. A personagem desperta no meio da noite ao som de um metrônomo (cena que até aparece no teaser), símbolo do controle que escapa. O instrumento, que define ritmo, tempo e precisão, aparece como representação de uma mente que começa a descompassar.

Há também referências ao tempo que Lydia passou com a tribo indígena que dá para escutar no começo do filme — música ritualística, a cama flutuando sobre a água, imagens que evocam uma dimensão quase espiritual. A estética do filme é marcada por enquadramentos abertos e às vezes contemplativos, que criam distanciamento, mas também fascínio.


Conclusão

Tár é um filme sobre ego, poder, arte, ética, obsessão e decadência. É sobre o que fazemos com o tempo que temos, sobre o peso das nossas escolhas e sobre a linha tênue entre genialidade e abuso. Cate Blanchett é um titã aqui.

Se fosse para tentar resumir (o que eu sempre penso ser uma tarefa impossível) eu diria que a obra traz um pouco da máxima de que só dá para conhecer alguém de verdade quando essa pessoa está no topo do poder. Por fim… mesmo que você saia com mais perguntas do que respostas, essa é uma das maiores forças da obra.

Sinopse oficial e trailer

Tendo alcançado uma carreira invejável com a qual poucos poderiam sonhar, a renomada maestrina/compositora Lydia Tár (Cate Blanchett), a primeira diretora musical feminina da Filarmônica de Berlim, está no topo do mundo. Como regente, Lydia não apenas orquestra, mas também manipula. Como uma pioneira, a virtuosa apaixonada lidera o caminho na indústria da música clássica dominada por homens. Além disso, Lydia se prepara para o lançamento de suas memórias enquanto concilia trabalho e família. Ela também está disposta a enfrentar um de seus desafios mais significativos: uma gravação ao vivo da Sinfonia nº 5 de Gustav Mahler. No entanto, forças que nem mesmo ela pode controlar lentamente destroem a elaborada fachada de Lydia, revelando segredos sujos e a natureza corrosiva do poder. E se a vida derrubar Lydia de seu pedestal? (Fonte: AdoroCinema)

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