Depois de um dia cheio, a maioria dos gamers só pensa em uma coisa: chegar em casa e ligar o PC ou console e mergulhar em um outro mundo. Um verdadeiro investimento, e não só de tempo, mas de dinheiro também, já que tudo nesse universo sempre foi caro.
Essa atitude pode ser encarada como uma espécie de escapismo, mas calma. Não é, se nesse tempo em frente a uma tela, você entre em contato com as mais diversas narrativas, mundos, experiências sensoriais e possa fazer amigos. É troca e é conexão. Se você considera escapismo, então filmes e séries também estariam na mesma categoria, de certa forma.
Até hoje tem quem não encare jogos como algo sério, mesmo com o impacto social, econômico e cultural. Uma indústria que movimenta bilhões, emprega designers, programadores e roteiristas que entram narrativas que rivalizam com o cinema e a TV.
É nesse sentido que eu mais me apego: o de ser um refúgio em meio ao caos da vida cotidiana. Existem críticos que dizem ser vício jogar por muito tempo, mas, se existe equilíbrio com a vida pessoal, e se o jogo em questão não for um “tigrinho” da vida — que, convenhamos, é “aposta” com gamificação — então tudo bem.
Jogar não é vício quando é escolha consciente, prazerosa e saudável.
O mito de Sísifo
Algumas produções têm sim uma dinâmica repetitiva e cheia de recompensas que termina estimulando o jogador a sempre querer mais. Querer colocar todos na mesma caixinha é ser reducionista e pra quê fazer isso em um verdadeiro multiverso de possibilidades?
Até em games com uma estrutura circular – como Dead By Daylight, Warzone e outros – a diversão pode não ser exatamente igual, ainda mais quando se joga com amigos. E é aí que entra algo que difícil de ser criticado de forma legítima: a força que os games tem em unir pessoas. Fazer pouco caso disso é ir na contramão só para fazer pirraça.
A indústria, que não é boba nem nada, percebeu essa mudança e os estúdios passaram, com o tempo, a investir pesadamente nos multiplayers. Se antes os games eram majoritariamente feitos para um único jogador, agora as experiências multijogador dominam.
Franquias consolidadas mantêm o single player, claro, mas até essas expandem para incluir experiências online. GTA é um exemplo clássico disso: é possível escolher como, com quem e onde jogar.
Jogos como educação
Esse é só um ponto, e quando levamos em conta que jogos podem melhorar a coordenação motora, a atenção, aprendizagem e introduzir temas que algumas pessoas da comunidade têm problemas em aceitar? Como a importância de se discutir saúde mental, temas mais plurais como diversidade, inclusão e acessibilidade…
Celeste, Spider-Man: Miles Morales, Dandara: Trials of Fear, The Last of Us, Life is Strange e tantos outros não abordam esses temas de forma panfletária, mas os integram organicamente às suas narrativas, tornando essas discussões inseparáveis da experiência de jogo.
Os games são um local para pautar esses assuntos e normalizá-los, pois ainda são considerados tabus por alguns indivíduos, nem sempre mal-intencionados. Ainda que esse processo aconteça com tropeços, é preciso elogiar, mas também cobrar para que o tropeço seja ultrapassado numa próxima oportunidade.
Contar histórias é, desde sempre, uma das melhores formas de ensinar, emocionar e transformar. Os games fazem isso com pixels, trilhas sonoras e comandos. E, às vezes, é exatamente isso que a gente precisa depois de um dia cansativo: não escapar da realidade, mas enxergá-la com novos olhos.