Pular de novo no abismo. Morrer para o boss. Reiniciar a fase do zero pela centésima vez. Para quem joga Dark Souls, Cuphead ou Hollow Knight, essas cenas são rotina. Mas por que insistimos em games tão difíceis? E, principalmente: o que eles nos ensinam sobre a “arte de fracassar”?
Estudos mostram que jogos com alto nível de dificuldade não apenas desafiam os reflexos dos jogadores, mas também funcionam como um laboratório emocional e cognitivo. Através da repetição, da tentativa e erro, os games ensinam a encarar a derrota como parte natural do processo de aprendizado — uma habilidade cada vez mais valorizada em ambientes educacionais e profissionais.
O ciclo do fracasso nos games
A literatura sobre aprendizado baseado em jogos demonstra que eles operam por meio de um ciclo de falha e correção. A lógica é simples: o jogador erra, tenta de novo, melhora, erra de novo, ajusta — até que, enfim, vence. Esse processo estimula um tipo de aprendizado ativo, com feedback imediato, difícil de replicar em métodos escolares tradicionais.
Essa abordagem se alinha ao conceito de “dificuldades desejáveis”, da psicologia educacional: tarefas que exigem esforço cognitivo são mais eficazes para consolidar o aprendizado, desde que estejam dentro da zona de desenvolvimento do indivíduo.
Controle e responsabilidade
Games difíceis também favorecem o que psicólogos chamam de “locus de controle interno”. Ou seja, ao perceber que a derrota ocorreu por causa de uma escolha própria — e não de uma falha no sistema — o jogador se sente responsável por sua performance. Isso incentiva a tentativa seguinte com mais foco e disciplina. O pesquisador de jogos Jesper Juul, em seu livro “The Art of Failure” (2013), explora essa ideia ao explicar que jogadores que fracassam, mas percebem justiça no desafio, são mais propensos a persistir. A sensação de que a vitória é possível com mais esforço ou habilidade aumenta a satisfação com a superação.
Construindo resiliência
A frustração, quando bem dosada, fortalece a resiliência. Em um estudo do Journal of Media Psychology (publicado em 2022), pesquisadores analisaram como jogos competitivos afetam a motivação após o fracasso. O resultado: aqueles que enfrentaram dificuldade e mantiveram a persistência apresentaram maior empenho em tarefas cognitivas posteriores — como tentar resolver anagramas insolúveis. Esse tipo de resistência emocional, cultivada em um ambiente de baixo risco (como um game), pode se transferir para situações mais complexas da vida real, como lidar com críticas, rejeições ou fracassos acadêmicos e profissionais, embora a generalização dessas habilidades ainda seja um campo ativo de estudo.
Games são um caminho
Jogos difíceis não nos ensinam apenas a jogar melhor. Eles nos ensinam a perder com inteligência. A reconhecer os erros, ajustar estratégias, persistir — e a entender que perder não é o fim, mas o caminho para melhorar. No mundo real, onde falhas muitas vezes carregam peso emocional, social ou profissional, essa lição é valiosa: aceitar o erro como parte do processo de desenvolvimento humano. Uma habilidade essencial para qualquer um que queira crescer, dentro ou fora das telas.