A memória dos olhos fica depositada no coração? O arrepio no corpo, o sopro da respiração ofegante, a pele tocada pela chuva, onde se resguardam quando não estão na superfície da gente? E o sorriso, que é feito dele nas horas em que se resguarda da realidade?
Ando pelas ruas, pelos trieiros, no ponteiro das horas e nos segundos que me esperam com a física da minha vida. Mas é na metafísica que vivo mais. No espírito das coisas, na alma dos fatos e dos acontecimentos e das proezas do encontro com os outros.
Não sou esta carne que conversa com sua carne e que abala os ossos da mente, em verdade. Sou mais do que isso, e menos também. Sou tudo. Todos os significados da existência, e este acima de tudo: o imaterial. Aperte minha mão, quebre meus dedos, e sentiremos os entremeios.
Este texto mesmo não carrega esqueleto algum. É a soma de medos, coragens, carruagens percorrendo as definições das palavras, das frases, das notícias de mim. E é menos do que há. Porque junto com as massas tangíveis estão as pedras e as flores dos caminhos que nos levam.
Quero dizer que somos um, quando nos deixamos apalpar. As pessoas sentem que estamos. Porém há outro que carregamos – ou ser que nos carregam? -, e este não tem sangue nem veias, não está disposto em pé na labuta da existência, nem deitado em último suspiro. Este é um existente ser humano de pura energia apenas, e tanto.
Não quero confundir a cabeça de ninguém. Nem passar a ideia de que estou só fazendo poesia. Ou que enlouqueci de vez, porque de vez em quando era muito, muito pouco. Entenda: falo de que sou e de quem sou igualmente, embora sem espaço para facadas ou abraços; embora com facadas abraços no toque sutil da imaginação, sem a brabeza das tempestades.
Eu vivo mais do que meus olhos veem, e tenho mais de mim do que cabe nos meus corações. Eu sou a metáfora. A esperança. A materialização dos meus sonhos. Ninguém me cerca quando levanto voo. Mas me alcança, quando o sorriso vem aberto e sem fim.