A aproximadamente 35 quilômetros da costa do litoral sul de São Paulo, entre os municípios de Itanhaém e Peruíbe, está um dos lugares mais inóspitos e intrigantes do Brasil: a Ilha da Queimada Grande, popularmente conhecida como Ilha das Cobras. O apelido não é exagero. A ilha é o único habitat conhecido da jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), uma espécie de serpente altamente venenosa e endêmica da região.
Com uma área de pouco mais de 43 hectares — o equivalente a 40 campos de futebol —, a ilha abriga uma das maiores densidades de serpentes do mundo. Estima-se que existam entre 2 mil e 4 mil cobras no local, o que pode representar uma serpente para cada metro quadrado em certas áreas, embora a densidade média seja menor.
Um veneno letal e promissor
A jararaca-ilhoa é menor e mais ágil do que sua parente continental, a jararaca comum. O que mais chama a atenção dos cientistas, porém, é a sua potência letal. Como evoluiu sem predadores naturais e se alimenta principalmente de aves migratórias, seu veneno tornou-se extremamente tóxico, agindo rapidamente para evitar que as presas escapem. Há relatos de que a toxina seja até cinco vezes mais potente que a da jararaca continental.
Esse veneno, ao mesmo tempo que representa perigo, também é um objeto de estudo científico valioso. Pesquisas indicam que componentes da toxina podem ter aplicações farmacêuticas no tratamento de doenças como hipertensão, problemas cardíacos e até câncer.
Isolamento por proteção — e necessidade
Desde 1985, por decreto do governo federal, a Ilha da Queimada Grande é fechada à visitação pública, sendo acessada apenas por pesquisadores credenciados e militares da Marinha, que fazem manutenção do farol automatizado que funciona no local.
O isolamento não visa apenas proteger os humanos das cobras, mas principalmente proteger as cobras dos humanos. A jararaca-ilhoa está criticamente ameaçada de extinção, devido à sua distribuição geográfica restrita e à baixa variabilidade genética da população. Além disso, o tráfico de animais exóticos representa uma ameaça real: no mercado negro internacional, uma jararaca-ilhoa pode valer até 30 mil dólares.
Um ecossistema em risco
A vegetação da ilha é composta por floresta atlântica e vegetação de restinga, abrigando uma cadeia ecológica frágil. Com poucas fontes de água doce e solo pedregoso, a jararaca-ilhoa se adaptou de forma única, tornando-se totalmente dependente de aves migratórias para se alimentar. A qualquer perturbação ambiental — como mudanças climáticas, queimadas ou introdução de espécies exóticas — a ilha pode perder o equilíbrio que sustenta essa espécie rara.
Mitos e realidades
Ao longo dos anos, histórias sobre a Ilha das Cobras se multiplicaram: pescadores que teriam sido atacados, turistas que teriam desaparecido, e até rumores de que o governo esconderia algo ali. Na prática, grande parte desses relatos são exageros ou invenções, alimentados pelo fascínio e pelo medo que a ilha desperta.
Ainda assim, a verdade é tão impressionante quanto a ficção: existe, sim, um pedaço de terra isolado onde milhares de cobras venenosas convivem com quase nenhum outro ser vivo — um dos lugares mais perigosos e protegidos do Brasil.