O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, na noite de segunda-feira (14), o decreto que regulamenta a Lei da Reciprocidade Comercial, autorizando o Brasil a adotar contramedidas comerciais contra países que criem barreiras unilaterais aos produtos brasileiros.
A medida ocorre em meio à nova escalada da guerra comercial que tem como cabeça os Estados Unidos, que anunciaram uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras, válida a partir de 1º de agosto.
O decreto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) e, embora não mencione nenhum país diretamente, permite que o Brasil reaja de forma rápida e proporcional sempre que suas exportações forem prejudicadas de maneira injusta.
O que muda na prática
Antes da regulamentação, o Brasil não dispunha de um instrumento legal tão direto para retaliar medidas comerciais unilaterais que comprometessem sua competitividade internacional.
Agora, com a nova regra em vigor, o governo poderá restringir importações, aplicar tarifas equivalentes ou adotar outras medidas em resposta a ações de países ou blocos econômicos.
O decreto detalha que a Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculada ao Executivo, poderá decidir sobre a aplicação de contramedidas, inclusive com consultas diplomáticas antes da adoção das sanções.
O objetivo é preservar os interesses brasileiros nas negociações internacionais e proteger setores estratégicos da economia nacional.
Empresas brasileiras do setor de aço e alumínio, que já enfrentam sobretaxas de até 25% nos EUA, tendem a ser as mais impactadas. O Brasil é o terceiro maior exportador desses metais para o mercado norte-americano.
Como a lei poderá ser usada
A Lei da Reciprocidade poderá ser acionada em três situações principais:
1. Barreiras comerciais ou financeiras que interfiram na soberania brasileira — como, por exemplo, as tarifas impostas sob justificativas políticas, como no caso da carta de Trump mencionando o processo de Bolsonaro.
2. Violação de acordos comerciais já firmados com o Brasil, quando essas ações prejudicarem empresas e setores econômicos nacionais.
3. Exigências ambientais unilaterais que afetem negativamente a exportação de produtos brasileiros, mesmo que esses estejam em conformidade com as leis nacionais.
Esses dispositivos legais ampliam o leque de ferramentas diplomáticas e econômicas que o Brasil pode utilizar em disputas comerciais e geopolíticas.
Por que a medida foi tomada agora
A Lei da Reciprocidade Comercial foi aprovada pelo Congresso Nacional em março e sancionada por Lula em abril.
A regulamentação vem após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar a nova tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras, o que inclui desde produtos agrícolas até manufaturados.
A ação norte-americana faz parte de uma estratégia mais ampla de Trump, que busca pressionar parceiros comerciais durante seu novo mandato com medidas protecionistas.
A decisão afeta diretamente a balança comercial brasileira e ameaça empregos em setores altamente dependentes das exportações para os EUA.
Como resposta imediata, o governo brasileiro também criou um comitê de emergência interministerial, com a participação de representantes da indústria e do agronegócio.
A primeira reunião será liderada pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, nesta terça-feira (15).
Quais medidas o Brasil pode adotar em resposta
O decreto autoriza diferentes formas de retaliação comercial, a serem definidas após estudos e consultas com setores econômicos. As principais medidas previstas incluem:
- Sobretaxas ou tarifas adicionais sobre bens e serviços importados do país que impôs barreiras ao Brasil.
- Suspensão temporária de acordos comerciais ou cláusulas específicas desses acordos.
- Adoção de licenças compulsórias em propriedade intelectual, o que permitiria, por exemplo, que o Brasil produzisse medicamentos protegidos por patentes, reduzindo custos e ampliando o acesso a determinados produtos.
Perspectivas
Para organizar a reação brasileira, o governo criou um Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, liderado pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin. Participam também os ministérios da Casa Civil, Fazenda e Relações Exteriores.
Esse comitê será responsável por:
- Conduzir consultas públicas com empresários e representantes de setores afetados;
- Avaliar tecnicamente quais contramedidas têm menor impacto negativo na economia nacional;
- Recomendar medidas à Câmara de Comércio Exterior (Camex), que é o órgão responsável por formalizar as ações de retaliação.
O decreto prevê que medidas provisórias podem ser adotadas enquanto o processo de consulta e análise estiver em andamento.
Retaliação, mas com cautela
Apesar do tom firme do governo, o decreto deixa claro que a lógica de retaliação não será automática nem irrestrita. O texto exige que as ações de reciprocidade busquem “minimizar impactos sobre a atividade econômica brasileira” e levem em conta a preservação de cadeias produtivas nacionais.
Esse equilíbrio vai ser essencial para evitar que o Brasil retalie um setor e acabe prejudicando empresas brasileiras que dependem de insumos importados do país alvo das sanções.