A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17), a versão final do Projeto de Lei 2.159/2021, que altera significativamente as regras do licenciamento ambiental no Brasil. A matéria, que já havia sido aprovada pelo Senado com alterações, retornou à Câmara para esta votação conclusiva.
Com 267 votos favoráveis e 116 contrários, a redação final do texto segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá até 15 dias úteis para decidir se veta — total ou parcialmente — a proposta.
Apelidado por ambientalistas de “PL da Devastação”, o projeto permite que determinados empreendimentos se autolicenciem por meio da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC).
Esse novo modelo dispensa a necessidade de estudos prévios de impacto ambiental e consultas a populações afetadas, o que levanta preocupações sobre o enfraquecimento da fiscalização e a exclusão de órgãos como Ibama, ICMBio e Funai do processo decisório.
Além de permitir o avanço de obras sem licenciamento adequado, o PL também isenta parte das atividades agropecuárias do processo, setor frequentemente associado ao desmatamento ilegal na Amazônia.
Especialistas alertam que a mudança pode acelerar a destruição de florestas, aprofundar a crise climática e fragilizar os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais.
A votação aconteceu por meio do aplicativo Infoleg, em sessão semipresencial com debates intensos no plenário. A aprovação ocorre a menos de quatro meses da Conferência do Clima da ONU (COP30), marcada para acontecer em Belém, no Pará.
Com as novas diretrizes, até mesmo obras urbanas como avenidas, cemitérios, aterros sanitários e projetos de saneamento básico poderão ter o licenciamento flexibilizado, gerando preocupações sobre os impactos diretos na saúde da população.
A expectativa agora recai sobre o presidente Lula e sua decisão diante da pressão da sociedade civil e do setor ambiental.
Pontos de possível conflito constitucional
1. Direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225, caput)
A Constituição assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público o dever de preservá-lo. Juristas veem incompatibilidade entre esse comando e dispositivos do PL que flexibilizam licenciamento e condicionantes para atividades potencialmente poluidoras.
2. Obrigatoriedade de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (art. 225, §1º, IV)
O texto constitucional exige EIA/RIMA para obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação. O PL mantém a exigência apenas para casos assim, mas não define claramente o que configura “significativa degradação” e cria modalidades simplificadas (LAC, LAU) em que estudos podem ser dispensados ou autodeclarados, abrindo margem para contestação judicial.
3. Participação pública e transparência
Licenciamento é instrumento de controle social previsto na Política Nacional do Meio Ambiente; críticos alertam que procedimentos simplificados e renovações automáticas podem reduzir audiências públicas, consultas e acesso a dados, esvaziando o controle social e aumentando riscos de corrupção.
4. Competência federativa e risco de “guerra ambiental” (arts. 23 VI e 24 VI)
O PL delega aos estados e municípios ampla liberdade para definir quais atividades exigem licenciamento e em que nível, o que pode produzir padrões díspares e competição por menos exigências para atrair investimentos — cenário visto por analistas como potencial violação da lógica de normas gerais da União + suplementação protetiva prevista na Constituição.
5. Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
Críticos apontam que o texto considera impactos principalmente sobre terras já homologadas ou tituladas, deixando de fora áreas em processo de reconhecimento; isso pode fragilizar direitos territoriais e a proteção ambiental associada a esses territórios, contrariando o dever estatal de preservar a diversidade socioambiental.
6. Responsabilidade e controle pós-licença (princípios da prevenção, precaução e reparação integral)
A ampliação de autodeclarações e a redução de condicionantes podem dificultar a responsabilização por danos, transferindo riscos ambientais e de saúde pública à coletividade; entidades lembram tragédias como Mariana e Brumadinho para ilustrar o custo de falhas de controle.