A violência psicológica atinge a saúde emocional das vítimas, interfere em sua autonomia e, muitas vezes, se manifesta por meio da manipulação constante, também conhecida como gaslighting. Esse tipo de abuso fragiliza o psicológico da vítima, provoca ansiedade, baixa autoestima e gera um sentimento de dependência em relação ao agressor.
O professor Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psicologia da USP, afirma que a violência psicológica aparece quando o agressor desrespeita o outro por meio de falas ofensivas, humilhações, intimidações e até ameaças de morte. Ele também aponta a presença de relações de poder como elemento-chave dessa dinâmica. Em relacionamentos amorosos, esse tipo de violência tende a ocorrer com maior frequência.
“A ligação afetiva intensa leva o parceiro a acreditar que, sem o outro, sua vida não tem sentido”, diz Serafim.
A manipulação emocional, característica marcante da violência psicológica, pode se manifestar de forma constante e sutil. “Essa prática existe nas relações humanas, mas se torna mais grave quando é usada de forma persistente para fragilizar o outro”, explica o professor. Para interromper esse ciclo, o acompanhamento psicológico se torna essencial.
“O agressor destrói a autoconfiança da vítima. A psicoterapia ajuda a reconstruir esse equilíbrio e reorganizar os pensamentos”, completa.
Como identificar a violência psicológica
Especialistas destacam sinais de alerta que ajudam a reconhecer quem está em situação de abuso emocional. Entre os mais comuns estão:
- Isolamento social: a vítima afasta-se de amigos e familiares, geralmente por pressão ou culpa imposta pelo parceiro;
- Mudanças de comportamento: passa a agir com insegurança, medo de se expressar e autocensura constante;
- Dúvidas frequentes sobre a própria sanidade: pergunta-se se está exagerando, inventando ou “ficando louca”;
- Necessidade constante de aprovação: busca validação a todo momento, mesmo para decisões simples;
- Culpa constante: acredita que é responsável pelos conflitos e pelas atitudes agressivas do outro;
- Abandono de interesses e hobbies: perde a espontaneidade e deixa de fazer coisas que antes a faziam feliz;
- Autodepreciação: repete frases como “eu mereço isso” ou “ele me trata assim porque me ama”.
Como ajudar a vítima
Ajudar alguém nessa situação exige cuidado, empatia e estratégias que respeitem o tempo e os limites da vítima. Veja como agir:
- Ofereça escuta ativa e sem julgamentos: crie um espaço seguro para que a pessoa fale, sem forçá-la a se abrir;
- Evite aconselhar diretamente o fim da relação: a vítima pode se sentir pressionada e se afastar de quem tenta ajudar;
- Compartilhe informações úteis: envie conteúdos sobre violência psicológica, histórias de superação ou orientações legais;
- Reforce a autoestima: ajude a vítima a perceber seu valor, suas conquistas e capacidades;
- Esteja presente de forma constante: mesmo que a pessoa não reaja de imediato, a presença confiável faz diferença;
- Sugira, com delicadeza, o acompanhamento psicológico: a psicoterapia pode ser essencial para a reconstrução emocional;
- Ofereça apoio para buscar ajuda legal, se necessário: caso ela esteja pronta, oriente sobre como registrar boletim de ocorrência ou pedir medidas protetivas.
Reconhecimento legal e medidas de proteção
Desde 2006, a legislação brasileira reconhece a violência psicológica como crime. A Lei Maria da Penha incluiu esse tipo de abuso como uma das formas de violência doméstica contra a mulher. A professora Mariângela Gama de Magalhães Gomes, da Faculdade de Direito da USP, afirma que a legislação passou a refletir os danos emocionais provocados por esse tipo de violência.
“Essa violência está ligada a estruturas machistas e a uma hierarquização de gênero que ainda fazem com que muitos homens se sintam autorizados a agir dessa forma”, avalia.
A lei também prevê proteção para vítimas de outros gêneros. Homens, por exemplo, também podem recorrer à Lei Maria da Penha, desde que estejam em situação de violência doméstica.
A partir de 2021, o Código Penal passou a incluir o artigo 147-B, que trata especificamente da “violência psicológica contra a mulher”. A norma considera crime qualquer conduta que provoque danos emocionais, reduza a autoestima e interfira no desenvolvimento pleno da mulher. A legislação prevê sanções para condutas como humilhação, manipulação, chantagem, isolamento, vigilância constante, insultos, exploração, entre outras.
Segundo Mariângela, a vítima pode registrar um boletim de ocorrência e solicitar medidas protetivas, que impedem o agressor de manter contato ou se aproximar.
“Essas medidas costumam ser rápidas e ajudam a interromper o ciclo de violência”, explica.
Consequências graves para a saúde
A organização britânica SaveLives e o NHS, sistema de saúde do Reino Unido, alertam para as consequências físicas e mentais desse tipo de violência. Entre elas, estão depressão, transtornos alimentares, insônia, úlceras e problemas cardíacos.
Na prática, a violência psicológica geralmente antecede outros tipos de abuso, como o físico ou sexual. Em muitos casos, ela se torna o primeiro passo de uma escalada de agressões. Desde 2021, o crime de stalking também passou a ser tipificado, com foco em perseguições constantes que afetam o bem-estar psicológico da vítima.