Outro dia, vi minha tia toda concentrada na frente do celular. Quando prestei mais atenção, percebi: mais uma fase do Candy Crush.
Parei e pensei: minha tia é gamer?
Provavelmente você também tem alguém na família que joga Candy Crush, Gardenscapes ou qualquer outro desses jogos que você não dá nada, mas têm uma capacidade absurda de prender a atenção.
Ainda assim, raramente alguém se refere a essas pessoas como gamers. Afinal, quando a gente ouve ou lê a palavra “gamer”, o que costuma vir à mente é o clichê: um adolescente com um console ou PC, headset na cabeça, jogando Call of Duty, FIFA ou Fortnite, com uma fita de LED roxa no quarto.
É uma imagem construída há anos e que, apesar dos avanços na indústria dos games, ainda exclui muita gente.
Só que os números estão aí para desafiar esse estereótipo. Segundo a Pesquisa Game Brasil 2024, mais de 70% da população brasileira joga algum tipo de game eletrônico, e o celular é disparado o dispositivo mais usado. E adivinha? Uma boa parte desses jogadores são mulheres com mais de 30 anos. Ou seja, é muito provável que sua mãe, sua tia ou sua vó estejam entre as maiores consumidoras de jogos digitais do país — mesmo sem saber.
Acontece que essas pessoas raramente se identificam com o termo “gamer”. Há uma espécie de autoexclusão aí, reforçada por um preconceito estrutural da própria comunidade gamer — que, historicamente, subestima mulheres, jogadores casuais, games de celular e tudo que fuja da estética do “pro player”.
“Ah, mas Candy Crush nem é jogo de verdade.” Quantas vezes você já ouviu (ou disse) algo assim? Só que isso ignora o essencial: jogar é jogar. Se a sua vó joga Candy Crush toda noite antes de dormir, se ela já gastou R$ 5,90 para comprar vidas extras, se ela comemora quando passa de fase difícil… então, sim, ela é gamer. Talvez até mais dedicada que muita gente com RGB em todo o setup.
Essa resistência em reconhecer jogadores de celular como gamers não sai ilesa de consequências. Invisibiliza um público gigante, impede discussões mais inclusivas sobre acessibilidade e diversidade nos games, e reforça uma divisão desnecessária entre o “hardcore” e o “casual”. Como se só houvesse valor na experiência de quem joga por performance — e não por diversão, relaxamento ou hábito.
É preciso mudar o olhar. Talvez o problema não seja a sua tia que joga Candy Crush. O problema tá na visão limitada sobre o que é ser gamer.
Isso porque se alguém joga todo dia, se se diverte, se investe tempo (e às vezes dinheiro), se aquilo faz parte da rotina e provoca emoções reais — esse alguém merece, no mínimo, o mesmo respeito dado a quem passa madrugadas no Valorant, no LoL etc.