O documentário “Herzog – O Crime que Abalou a Ditadura” estreia nesta quinta-feira (23), reconstituindo o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, cuja morte completa 50 anos no próximo sábado (25). Produzido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o longa-metragem revive a trajetória do jornalista, professor e cineasta torturado e morto por agentes da ditadura militar. O filme, com depoimentos de amigos, colegas de redação e familiares, será exibido às 19h no canal do ICL no YouTube.
Segundo o diretor e roteirista Antônio Farinaci, o objetivo foi despertar novo interesse por uma história já contada inúmeras vezes, oferecendo uma leitura inédita e contemporânea. Farinaci, conhecido por trabalhos sobre temas históricos e de direitos humanos, explicou que a proposta buscou provocar reflexão e emoção ao revisitar um dos episódios mais simbólicos da repressão no Brasil.
Nascido na antiga Iugoslávia, Herzog chegou ao país ainda criança, fugindo do nazismo. Sua morte, registrada pelo regime como suicídio, revelou uma farsa que transformou o caso em símbolo da resistência e da luta pela liberdade de imprensa. A diretora executiva de conteúdo do ICL, Márcia Cunha, destacou que a produção concentrou-se em um recorte preciso, da semana anterior à morte até a semana posterior, para revelar o crime, suas causas e consequências para o país.
Márcia lembrou que o assassinato expôs o modo de agir da ditadura e suas estratégias de manipulação, semelhantes às práticas de desinformação atuais.
“Eles tinham um tipo de gabinete do ódio. Jornalistas de direita atacavam Herzog e a TV Cultura, chamando-a de ‘VietCultura’ por causa de uma matéria sobre o Vietnã. O discurso era o mesmo que se repete hoje”, disse.
O documentário reúne depoimentos de Dilea Frate, Paulo Markun, Rose Nogueira, Sérgio Gomes, do filho Ivo Herzog e do cineasta João Batista de Andrade. A equipe enfrentou falta de registros visuais da época, já que quase não há imagens do jornalista em atividade ou de sua prisão. A escassez levou à criação de cenas em storyboard, com arte da ativista Paula Villar, que transformou os relatos em ilustrações no estilo de quadrinhos.
Farinaci afirmou que o roteiro seguiu fielmente os depoimentos de quem conviveu com Herzog e presenciou sua prisão e tortura no DOI-Codi.
“Essas pessoas ouviram o que ele viveu. São testemunhos contundentes, que revelam o terror da época e ajudam a combater o revisionismo que tenta minimizar o que foi a ditadura”, afirmou.
Para Márcia, o impacto do crime abalou a própria estrutura do regime militar e evidenciou a divisão entre os grupos que defendiam a abertura política e os que queriam manter a repressão. “O assassinato de Herzog acelerou o fim da ditadura”, afirmou.
O documentário também detalha os momentos que antecederam a prisão. Agentes foram até a TV Cultura para levá-lo, mas Herzog pediu para concluir o telejornal e prometeu se apresentar voluntariamente ao DOI-Codi, onde acabou torturado e morto no mesmo dia. A produção relembra ainda a foto do corpo enforcado, feita por um perito, que denunciava a farsa do suposto suicídio.
Junto ao filme, o ICL lança o podcast “Caso Herzog – A Foto e a Farsa”, que reconta a história da imagem e da investigação que desmentiu o regime. O fotógrafo, então com 22 anos, documentou a cena e, sem saber, produziu uma das provas que impulsionaram a luta de Clarice Herzog por justiça. Para os realizadores, contar novamente essa história é essencial para preservar a memória e alertar as novas gerações sobre os riscos de repetir o passado.