Em 19 de fevereiro de 1985, o voo 006 da China Airlines, operado por um Boeing 747SP (uma versão encurtada do jumbo), decolou de Taipei com destino a Los Angeles. A bordo, 274 pessoas entre passageiros e tripulantes iniciavam uma travessia rotineira sobre o Oceano Pacífico.
Voando a 41.000 pés (cerca de 12.500 metros), a tranquilidade foi quebrada de forma bastante repentina por um evento que desencadeou uma das mais aterrorizantes ocorrências da história da aviação.
O que aconteceu?

Após cerca de dez horas de voo, a aeronave encontrou turbulência. Pouco depois, o motor número 4 (o mais externo da asa direita) sofreu uma perda significativa de potência. Embora a perda parcial de potência em um dos quatro motores de um 747 não seja uma emergência catastrófica, ela exige uma resposta precisa da tripulação.
O procedimento padrão seria usar o leme para compensar o empuxo assimétrico e manter o avião estável enquanto a equipe de engenharia de voo tentava restaurar a potência do motor.
No entanto, a tripulação cometeu um erro crucial. Enquanto o piloto automático permanecia acionado, o capitão não aplicou a correção necessária no leme para combater a guinada causada pelo empuxo desigual.
Sofrendo os efeitos da fadiga e do jet lag, a atenção ficou completamente fixada no problema do motor, ignorando os instrumentos de voo primários. O piloto automático, que não tem autoridade, isto é — controle — sobre o leme, tentou compensar a tendência de rolagem para a direita aplicando o aileron esquerdo até o seu limite máximo, mascarando a gravidade da situação para a tripulação distraída.
Quando o capitão finalmente desligou o piloto automático para tentar corrigir a contínua perda de velocidade, a correção do aileron foi instantaneamente removida.
Assim, sem nada para se opor à forte tendência de inclinação (ou rolagem), o avião virou violentamente para a direita, rolou para o lado e mergulhou de nariz.

O Boeing 747 entrou em uma descida em espiral descontrolada, caindo mais de 9.000 metros (30.000 pés) em apenas dois minutos e meio. Durante a queda, os ocupantes foram submetidos a forças gravitacionais extremas, que chegaram a 5 G, empurrando-os violentamente contra seus assentos e excedendo os limites estruturais do avião.
Para se ter noção de como a força G afeta o corpo humano, confira abaixo um vídeo de pilotos de caça em treinamento. Nessas sessões, eles são submetidos a até 9 G em centrífugas, e é possível ver como o rosto de uma pessoa se deforma momentaneamente sob tamanha pressão
A tripulação, desorientada e acreditando que os instrumentos estavam com defeito, só conseguiu recuperar o controle quando o avião passou das nuvens a cerca de 11.000 pés. Com o horizonte visual como referência, o capitão finalmente nivelou a aeronave a 9.500 pés, que havia sofrido danos estruturais muito severos.
Partes do estabilizador horizontal na cauda foram arrancadas, e o trem de pouso foi danificado. Apesar disso, a tripulação conseguiu desviar para São Francisco e realizar um pouso de emergência seguro. Milagrosamente, apenas duas pessoas tiveram ferimentos graves.
Lições
A investigação do NTSB (Conselho Nacional de Segurança nos Transportes dos EUA) concluiu que a causa do acidente foi a preocupação do capitão com a falha do motor e sua consequente falha em monitorar adequadamente os instrumentos de voo, resultando na perda de controle da aeronave. Um fator contribuinte decisivo foi a excessiva confiança do capitão no piloto automático, que efetivamente mascarou a iminente perda de controle.
O incidente do voo 006 tornou-se um caso de estudo fundamental para o desenvolvimento e aprimoramento do Crew Resource Management (CRM), ou Gerenciamento de Recursos da Tripulação. O CRM é um conjunto de procedimentos de treinamento que enfatiza a comunicação, a liderança situacional e a tomada de decisão em equipe na cabine de comando. O objetivo é garantir que um piloto não se fixe em um problema isoladamente e que os outros membros da tripulação se sintam capacitados para intervir e apontar desvios perigosos.
Além disso, o evento reforçou a conscientização sobre os perigos da fadiga em voos de longa distância, levando a revisões nas regulamentações sobre os períodos de descanso da tripulação.
Um milagre e um alerta
O voo 006 da China Airlines é lembrado por dois motivos contrastantes: a impressionante resiliência estrutural do Boeing 747, que sobreviveu a forças muito além daquelas para as quais foi projetado para suportar, e a falha humana crítica que quase levou à tragédia.
A sobrevivência de todos a bordo foi um verdadeiro milagre, mas o incidente serviu como um alerta contundente para a indústria da aviação. Ele demonstrou que a tecnologia mais avançada é vulnerável quando a supervisão humana é comprometida pela fadiga e pela quebra dos protocolos de cooperação, solidificando lições que continuam a salvar vidas até hoje.