A expressão “transição energética” deixou de ser um termo técnico restrito a engenheiros e ambientalistas para dominar as manchetes econômicas e as agendas governamentais ao redor do mundo, ainda mais se considerarmos a COP30. Em essência, o conceito define a mudança estrutural e de longo prazo nos sistemas de energia, migrando de uma matriz baseada predominantemente em combustíveis fósseis — como o petróleo, o carvão mineral e o gás natural — para fontes de baixa ou zero emissão de carbono.
O objetivo principal é a descarbonização da economia global, uma meta que, segundo relatórios do ciclo mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), exige reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela metade até 2030 para evitar catástrofes climáticas irreversíveis.
A corrida contra o carbono
Apesar do crescimento acelerado das tecnologias limpas, o mundo ainda enfrenta uma “dependência de carbono”. O relatório World Energy Outlook, publicado pela Agência Internacional de Energia (AIE), apontou que, no fechamento de 2024, os combustíveis fósseis ainda representavam pouco menos de 80% da matriz energética global.
Porém, há sinais claros de mudança de rota: consolida-se uma tendência observada desde 2023, ano em que o investimento global em tecnologias de energia limpa ultrapassou, pela primeira vez na série histórica, o montante destinado aos combustíveis fósseis. Essa virada apoia-se na eletrificação de setores como o de transportes, na eficiência energética para otimizar processos industriais e na expansão massiva de fontes renováveis, como eólica e solar.
O elemento X brasileiro
Nesse cenário de corrida contra o tempo, o Brasil parte de uma posição privilegiada, embora o debate público por vezes confunda dois conceitos fundamentais: a matriz elétrica e a matriz energética.
A matriz energética engloba toda a energia consumida no país, incluindo combustíveis para carros e aquecimento industrial. Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN) 2025 — documento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com os dados do ano-base 2024 —, a matriz energética brasileira mantém um índice de renovabilidade próximo a 48%, um patamar muito superior à média mundial, que gira em torno de 15%.
A situação é ainda mais favorável quando se observa apenas a matriz elétrica, referente exclusivamente à geração de eletricidade. Conforme os dados do mesmo BEN 2025, o Brasil possui uma das eletricidades mais limpas do mundo, com mais de 80% de sua geração proveniente de fontes renováveis, lideradas pelas hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa.
Essa característica coloca o país na vanguarda da próxima fronteira da transição: o Hidrogênio Verde (H2V). Produzido através da eletrólise da água com uso de energia limpa, o H2V é apontado como a solução para descarbonizar indústrias pesadas que a eletricidade sozinha não consegue atender, como a siderurgia e o transporte marítimo internacional.
Os obstáculos
Mas, apesar de tudo, a transição não é um caminho livre de obstáculos. A mudança exige superar a intermitência das fontes renováveis — o sol não brilha à noite e o vento não é constante —, o que demanda investimentos massivos em baterias e redes de transmissão inteligentes para garantir a segurança do abastecimento.
Além disso, a fabricação de painéis solares e turbinas depende de minerais críticos, como lítio e cobalto, cuja mineração gera seus próprios impactos ambientais e disputas geopolíticas atuais. Há ainda o desafio social de promover uma “transição justa”, criando políticas públicas para requalificar a mão de obra em regiões que hoje dependem economicamente da exploração de petróleo e carvão.
A transição energética é, dessa forma, um processo inevitável e irreversível, impulsionado tanto pela urgência climática quanto pela segurança energética das nações. Para o Brasil, ela representa mais do que obrigação ambiental; é uma oportunidade de reindustrialização verde, desde que o país consiga alinhar regulação eficiente, investimento em tecnologia e preservação dos recursos naturais.









