Observando os netos ocupando-se mais do celular do que da atenção às pessoas da família, foi inevitável lembrar-se da infância, toda ela passada numa corrutela do interior de Goiás.
Gostava de subir em arvoredos. Grandes ou pequenos, não escolhia tamanho. Tinha uma facilidade muito grande para escalar árvores gigantescas. De lá ficava um tempão espiando o norte e o sul, o leste e o oeste, apreciando o mundo que lhe era dado enxergar. Olhos fixos projetados ao longe, enquanto as vistas davam. Observava tudo que se fazia disponível à sua volta, até o limite do horizonte distante. E ficava ainda se esforçando para que os olhos alcançassem além dos montes mais longínquos. Sonhava, divagava, fazia planos. Imaginava ser tanta coisa na vida!…
O avô de hoje não se lembra bem o que desejava ser na vida. Só sabe que dali das alturas, trepado lá nas grimpas, via o mundo aos seus pés e se sentia poderoso. Vinha forte a ânsia de abraçar o universo, de vencer na vida, de ser maior do que a sua insignificância. Em suma, recorda-se de que dali de cima, apoiado na autossuficiência das suas fantasias infantis, ele sentia o mundo se tornar pequeno para as suas não parcas ambições.
Morava com os pais na parte de baixo da praça principal, que hoje leva o nome de seu progenitor. Subia a pé para a escola, às vezes sozinho, às vezes acompanhado de algum amigo. Uma brincadeira aqui, outra acolá, de vez em quando um entrevero sem importância. Coisa de menino. Briga mesmo somente na trajetória de volta para casa. Quase sempre as discussões eram resolvidas no tapa, porque faltava argumento aos briguentos e sobrava àqueles que se divertiam em atiçar os moleques a uma luta corporal. E menino que enjeitasse briga não era homem: era florzinha.
Normalmente os entreveros eram inexpressivos, mas aí entravam os meninos mais velhos, que gostavam do frevo, e colocavam a mão aberta entre os competidores, bradando: “Quem for homem cospe aqui!”. No que era atendido, o tal sujeito retirava a mão, e a cusparada ia diretamente nas fuças do outro contendor. Daí pra frente ninguém segurava mais. Era bater ou apanhar. Ninguém tinha sangue de barata para levar cuspe na cara e deixar por isso mesmo.
A única via de acesso no sentido norte era fechada com uma porteira, onde terminava (ou iniciava) a povoação. Todos passavam pela tal porteira e pegavam a estrada até chegar ao Grupo Escolar, lá em cima.
Não eram só os meninos, havia as meninas também. Mas ficavam separadas dos moleques, porque segundo as normas da escola não podiam se misturar. Olhar podia, o que já significava alguma coisa. E quando se engraçavam, os olhos se cruzavam, o coração palpitava, as mãos gelavam e um quase engolia o outro com o olhar. Era muito bom. Uma sensação de posse e poder e de felicidade. Uma paixão juvenil desenfreada. Dali em diante, ninguém mais podia olhar para aquela menina, só o garoto que fora eleito: “Ela é minha e ninguém se atreva, ora!”. E se atrevesse entrava na porrada.
Na sala de aula, os bilhetinhos, com declarações de amor. A professora? Não podia nem sonhar com o que estava acontecendo, que o castigo era certo. A propósito, nunca saiu da sua lembrança o dia em que ficou ajoelhado sobre grãos de milho com os braços abertos detrás do quadro negro, ele e outro colega de infortúnio. Tudo por conta de traquinagem dentro da sala de aula. Foi triste, viu!…
Terminado o horário da escola, mal dava tempo para almoçar e o menino já saía de fininho, escondido de sua mãe, para encontrar-se com a turma. Atividades não faltavam: podiam caçar passarinho, beirar córrego e comer goiaba, manga ou jabuticaba em alguma tapera, e tomar banho no riacho.
No fundo da cidadezinha tinha um córrego que corria deixando pelo caminho poços enormes de águas paradas. Muito batume de um lado e de outro, com muitas taboas e tiriricas. Com tiririca e tudo, em meio aos desafios e riscos oferecidos pela planta daninha que corta feito navalha, tornava-se o piscinão dos desocupados. Dezenas e dezenas de moleques tomando banho, pelados, pulando na água de ponta cabeça ou de barriga e gritando o que a garganta dava. Nenhum bicho selvagem seria tão corajoso o suficiente para permanecer ali por perto. Nem sucuri nem jacaré.
O Largo da Igreja era enorme. Propício a traquinagens da gurizada. A noite, um breu, não havia luz elétrica. Às vezes chovia e escurecia ainda mais. Quando isso acontecia, ninguém brincava. Porém quando era lua clara, era só chegar ao Largo da Igreja e dar um grito. A molecada vinha na mesma hora. Brincavam de tudo quanto era coisa. Até de esconde-esconde. Não é preciso dizer que naquela época não havia celular, absorvendo toda a atenção da meninada. Assim a comunicação era feita na base da “garganta” e, na escola, através dos “bilhetinhos” que corriam de carteira em carteira.
Com as meninas a melhor brincadeira era a de “passar anel”. Consistia no posicionamento de todos, meninos e meninas, rapazes e moças, sentados bem juntinhos e de mãos postas sobre os joelhos. Um dos participantes vinha com o anel preso nas mãos, fazendo-as passar devagar e de maneira carinhosa por dentro das mãos de cada um dos participantes. E dentro de uma delas, normalmente a de simpatia de quem o passava, o anel era deixado. No final, a pessoa perguntava a qualquer um dos integrantes: fulano, com quem está o anel? Se a pessoa acertasse, era ela quem devia passar o anel em seguida; se errasse, recebia um castigo: recitar uma poesia, latir feito cachorro, pular como sapo etc. E aí, quem estava com o anel escondido iria passá-lo outra vez.
Tempo bom, que não volta mais, nunca mais. Eles cresceram, e elas (as meninas) também cresceram, e todos se tornaram adultos. A povoação também cresceu, ficou adulta e se transformou em cidade, uma bela cidade. Pequena, mas aconchegante.
Novos tempos, nova vida, nova realidade. Histórias que atravessam o tempo e nunca mais saem da lembrança. Como era bom ser menino e morar no interior!… E os meninos e meninas eram felizes, mesmo sem celular!…










