A chamada Teologia do Domínio — ou dominionismo — é uma interpretação cristã que defende que os valores bíblicos devem orientar todas as áreas da vida social — da política à economia e à cultura. Embora as suas raízes estejam no Reconstrucionismo Cristão, movimento teológico surgido nos Estados Unidos na década de 1960, o termo dominionismo não se refere a uma doutrina formalmente adotada por igrejas, mas a uma categoria usada principalmente por analistas críticos para descrever tendências teológicas e políticas.
Da origem estadunidense à adaptação brasileira
No Brasil, parte dessas ideias encontrou eco em segmentos do neopentecostalismo, ainda que de forma fragmentada e não institucional. Líderes como Edir Macedo e Silas Malafaia difundiram doutrinas como a Teologia da Prosperidade e a Batalha Espiritual, com ênfases distintas do dominionismo clássico — que prega explicitamente a tomada do poder político pelos cristãos.
Mesmo assim, estudiosos observam que certos discursos sobre “governar com princípios bíblicos” e “restaurar o país para Deus” guardam semelhanças com essa visão. Essa influência também se manifesta, de modo mais concreto, na arena política, especialmente entre grupos evangélicos organizados.
A Bancada Evangélica
Na política institucional, a Bancada Evangélica tem ampliado sua presença e influência no Congresso Nacional. Seus integrantes atuam em pautas como a defesa do Estatuto do Nascituro, a oposição à ampliação do aborto legal, a crítica às políticas de educação com perspectiva de gênero e a resistência a propostas ligadas aos direitos LGBTQIA+.
Embora nem todos compartilhem da mesma base teológica, parte desse grupo expressa a ideia de que a política deve refletir valores cristãos, o que aproxima o discurso da lógica dominionista de “submissão das esferas seculares à moral bíblica”.
O debate sobre laicidade e democracia
Pesquisadores como o historiador João Cezar de Castro Rocha analisam o avanço desse ativismo religioso como um desafio à laicidade do Estado, princípio assegurado pela Constituição. Segundo eles, submeter as leis civis a um código moral religioso pode fragilizar as instituições democráticas e ampliar a intolerância.
Por outro lado, há diversidade de posições dentro do próprio meio evangélico. Muitos líderes rejeitam a fusão entre fé e poder político, defendendo que o papel do cristão na sociedade deve ser o de influência ética, não de imposição teocrática.
A fé nas telas
O documentário “Apocalipse nos Trópicos”, dirigido por Petra Costa, aborda justamente a relação entre religião e política no Brasil contemporâneo. A obra examina como o discurso apocalíptico de certos líderes religiosos se conectou a movimentos da direita e extrema-direita. Ainda assim, a interpretação de um possível “projeto teocrático” é contestada por setores evangélicos, que consideram a leitura exagerada.
Um tema em disputa
A influência de ideias associadas ao dominionismo no Brasil não constitui um movimento unificado, mas um conjunto de tendências e discursos sobre o papel da fé na política. O debate segue aberto: entre os que o veem como ameaça à laicidade e os que o consideram expressão legítima da liberdade religiosa e da participação cidadã.