Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP obtiveram resultados positivos no uso de uma substância do veneno da cobra cascavel contra células de um tipo altamente agressivo de tumor de mama. Testada em laboratório, a proteína crotoxina eliminou e impediu a proliferação das células triplo negativo, presentes em 15% dos casos de câncer de mama, com elevada taxa de mortalidade. Os resultados da pesquisa são descritos em artigo da revista científica Toxicon.
“Esta pesquisa foi parte de um amplo projeto para avaliar a atividade antitumoral da crotoxina em vários tipos de culturas de células de câncer de mama, afirma Camila Marques de Andrade, primeira autora do artigo. “Um dos tipos celulares estudados foi o triplo negativo ou estrógeno independente, representado pelas células MDA-MB-231, pois é responsável por cerca de 15% dos casos. É um tipo de câncer com prognóstico ruim, com alta taxa de recorrência, metástase e morte, além de ser resistente à terapia.”
De acordo com a pesquisadora, os tumores de mama podem ser classificados quanto à presença ou ausência de alguns receptores na célula cancerígena, que são os hormonais, para o estrógeno (ER) e para a progesterona (PR) e o não-hormonal, a proteína HERS2. “Um desses tipos é o chamado triplo negativo, correspondendo ao pior prognóstico da doença, em que os tumores se apresentam pouco diferenciados, há grande mortalidade e não respondem à terapia”, aponta.
“O tratamento recomendado é o uso de antraciclinas [grupo de medicamentos] com taxanos, sendo a antraciclina mais utilizada a doxorrubicina”, ressalta Camila Marques de Andrade. Os medicamentos são administrados endovenosamente (injeção na corrente sanguínea) durante as sessões de quimioterapia. “Porém, os tumores podem ser resistentes a essa terapia, além desses medicamentos apresentarem diversos efeitos colaterais.”
Apesar de promissor, a viabilidade do uso da crotoxina em medicamentos na prática clínica ainda precisa ser testada em diversas outras pesquisas, e pode não se confirmar. “Este foi um estudo in vitro em cultura de células tumorais”, observa a pesquisadora. “Para que a crotoxina seja usada clinicamente são necessários estudos pré-clínicos e clínicos, com ajuste das dosagens para uso in vivo.”
Rotas biológicas
A crotoxina é um polipeptídeo (tipo de proteína) extraído do veneno da serpente cascavel (Crotalus durissus terrificus). Ela é isolada por cromatografia e foi doada aos pesquisadores da FCFRP pelo professor Marcos Roberto Mattos Fontes, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (interior de São Paulo). “Avaliamos os efeitos da crotoxina no câncer de mama, visando à compreensão das rotas biológicas que promovem a morte de células tumorais sem atingir as células normais, visto que este é um grande desafio no desenvolvimento de terapias antitumorais”, diz a pesquisadora.
“O projeto estudou a expressão gênica e a expressão proteica das vias de morte celular”, relata Camila de Andrade, “bem como avaliou marcadores do estresse oxidativo, verificando se a crotoxina pode modular a expressão de genes e proteínas importantes na ativação e inibição da apoptose, da autofagia, da necrose e no estresse oxidativo em células normais e de câncer de mama”. A apoptose é a morte celular programada, e a autofagia é a degradação e reciclagem feita pelas próprias células.
“Os resultados obtidos demonstraram que a crotoxina não apresentou interações com o quimioterápico doxorrubicina e induziu morte celular na linhagem tumoral, apresentando ações antiapoptóticas, antiautofágicas e pró-necróticas”, destaca Camila de Andrade. “O efeito pró-necrótico ocorreu por meio do mecanismo de evasão da apoptose, inibição da autofagia e dano ao DNA. Portanto, concluiu-se que a crotoxina apresenta potencial antitumoral e antiproliferativo na linhagem tumoral MDA-MB-231.”
Participaram desta pesquisa a pós-doutoranda Camila Marques de Andrade, os alunos de doutorado Felipe Campos e Nathália Cristina Canicoba, e as professoras Cleni Mara Marzocchi Machado, Fabíola Attié de Castro e Maria Regina Toqueti do Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas da FCFRP. Também participaram as pesquisadoras Natércia Teixeira e Cristina Amaral, do Laboratório de Bioquímica do Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (Portugal). O artigo pode ser acessado neste link.
Mais informações: e-mail [email protected], com Camila Marques de Andrade
*Com Jornal da USP – Texto: Júlio Bernardes, estagiário sob orientação de Moisés Dorado.