A história do Brasil, como aprendemos na escola, é marcada por vários momentos de confusão e/ou crise social (algo não muito diferente de outros países), e poucos episódios de rua tiveram um impacto político tão rápido quanto a “Noite das Garrafadas”. Ocorrido em março de 1831, no Rio de Janeiro, esse evento não foi uma batalha planejada, mas sim uma explosão de tensões acumuladas que selou o destino de Dom Pedro I e encerrou o Primeiro Reinado.
Mais do que uma simples briga, ela foi o sintoma final de um divórcio político entre o imperador e grande parte da elite e do povo brasileiro.
O caldo político
Para entender a Noite das Garrafadas, é preciso entender como o desgaste de Dom Pedro I foi sendo construído ao longo do tempo. O imperador enfrentava uma crise cheia de nuances: No campo político, o seu perfil autoritário ficou bastante claro quando houve a dissolução da Assembleia Constituinte em 1823, seguida pela imposição da Constituição de 1824, medidas que consolidaram uma forte oposição liberal.
Paralelamente, o império mergulhava em uma grave crise econômica, marcada pela falência do Banco do Brasil em 1829 e agravada pela inflação galopante e pelos custos exorbitantes da malfadada Guerra da Cisplatina, que culminou na perda do território e na independência do Uruguai.
Para completar esse cenário de instabilidade, a chamada “Questão Portuguesa” alimentava a desconfiança generalizada, pois muitos brasileiros temiam que o imperador estivesse mais preocupado em garantir seus direitos à sucessão do trono português, após a morte de seu pai, D. João VI, do que em governar e defender os interesses do Brasil.
O estopim para a viagem que antecedeu o conflito foi a morte do jornalista liberal Líbero Badaró, em São Paulo, em 1830. Badaró, um crítico feroz do imperador, supostamente morreu dizendo a frase: “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”.
O assassinato, atribuído a aliados do imperador, incendiou a oposição. Tentando acalmar os ânimos, D. Pedro I iniciou uma viagem a Minas Gerais, um conhecido foco de oposição liberal. A recepção foi gélida. Os mineiros o receberam com faixas pretas de luto por Badaró e frieza. Irritado, o imperador retornou ao Rio de Janeiro em 11 de março de 1831.
A briga
Na capital, a colônia portuguesa e os apoiadores do imperador (conhecidos como “pés-de-chumbo”, num sentido pejorativo) decidiram organizar uma grande festa de desagravo (uma espécie de ato religioso de reparação e oração para compensar ofensas ou blasfêmias contra a honra de Deus ou da Virgem Maria) para recepcionar D. Pedro I, com fogueiras, danças e luminárias.
Para os brasileiros opositores — o “partido brasileiro” —, a festa soou como uma provocação direta, especialmente após a hostilidade demonstrada em Minas Gerais. Embora o imperador tenha retornado no dia 11, foi na madrugada de 13 de março que os dois grupos se encontraram nas ruas. O que começou com provocações verbais rapidamente escalou para a violência física.
Os brasileiros apagavam as fogueiras e gritavam “Viva a Constituição!”, enquanto os portugueses, que haviam organizado as celebrações, respondiam aos ataques. O confronto se tornou generalizado. Sem armas de fogo em grande escala, os litigantes usaram o que tinham à mão: pedras, paus e, notavelmente, garrafas de vidro, que eram arremessadas das janelas contra os grupos rivais.

Foi o uso massivo de garrafas como projéteis que batizou o episódio. As ruas do centro do Rio de Janeiro se transformaram em um campo de batalha campal por cerca de três dias (até a intervenção policial em 15 de março), com dezenas de feridos.
“Ministério dos Marqueses” e a abdicação
A Noite das Garrafadas expôs a total falta de controle de Dom Pedro I sobre a capital. A situação exigia uma resposta política conciliadora. O imperador, porém, fez o exato oposto. Em vez de acalmar os brasileiros nomeando um ministério que agradasse à oposição (como o que estava em vigor, composto por moderados), ele demitiu seu gabinete e, em 5 de abril de 1831, nomeou um novo ministério composto exclusivamente por seus aliados mais próximos e figuras ligadas ao absolutismo português.
Esse novo gabinete ficou conhecido como o “Ministério dos Marqueses”, pois era composto majoritariamente por nobres titulados de sua confiança. Para a oposição liberal e para o Exército (que já estava descontente), essa nomeação foi a gota d’água. Foi interpretada como uma declaração de que D. Pedro I governaria de forma absolutista, ignorando o Brasil e se apoiando apenas nos portugueses.
A reação foi imediata. A população voltou às ruas em protesto, e o Exército, liderado pelo Brigadeiro Francisco de Lima e Silva (pai do futuro Duque de Caxias), abandonou o imperador e se juntou aos manifestantes no Campo de Santana. Isolado, sem apoio político, militar ou popular, Dom Pedro I não viu outra saída.
Na madrugada de 7 de abril de 1831, menos de um mês após a Noite das Garrafadas, ele assinou sua carta de abdicação em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, então com apenas cinco anos.
A Noite das Garrafadas, que fique claro, não foi a causa da queda de D. Pedro I, mas sim um catalisador final. Uma briga de rua, alimentada por garrafas quebradas, simbolizou a ruptura definitiva entre o imperador e o país que ele ajudou a fundar, dando início ao conturbado Período Regencial.










