Nemo… muitos conhecem o nome através de um peixinho de um filme da Pixar, mas existe outro Nemo um pouco menos conhecido. Falo do Capitão Nemo, do livro de Júlio Verne. Esse inspirou o nome de um lugar no oceano tão remoto que, se você estivesse boiando lá, os seres humanos mais próximos de você não estariam em nenhum continente, nem em navios, mas a 400 quilômetros acima da sua cabeça, na Estação Espacial Internacional (ISS).
Esse é o Ponto Nemo. Localizado no Pacífico Sul, é o ponto geográfico mais distante de qualquer terra firme. Enquanto alguns ficam fascinados por todo esse isolamento, para a aviação comercial, ele representa um desafio logístico insuperável — e para a engenharia aeroespacial, um alvo um tanto conveniente.
O pesadelo ETOPS
Se você pegar um mapa de rotas aéreas globais, vai notar um “vazio” enorme sobre o Pacífico Sul. E isso não é coincidência. A aviação moderna opera sob regras rígidas de segurança, e o Ponto Nemo é o teste final para essas limitações.
A regra de ouro chama-se ETOPS (Extended-range Twin-engine Operational Performance Standards). Em termos simples, ela dita quanto tempo um avião bimotor (como um Boeing 777 ou um Airbus A350) pode voar longe de um aeroporto de alternativa caso um dos motores falhe.
Mesmo os aviões mais modernos, certificadas para voar 5 ou 6 horas com apenas um motor (ETOPS 300 ou superior), evitam a rota direta sobre o Ponto Nemo.
Se considerarmos uma situação de emergência médica ou despressurização nesta região (coordenadas 48°52.6′S 123°23.6′W), não há para onde ir. A terra mais próxima, a Ilha Ducie, está a 2.688 km de distância e não possui sequer pista de pouso.

Para se ter noção, voos que conectam a Oceania à América do Sul (como a rota Santiago-Sydney da Qantas ou LATAM) fazem uma curva parabólica ao sul, roçando a Antártida, justamente para se manterem dentro da margem de segurança de aeroportos alternativos e evitarem esse “centro morto” do oceano.
Para um piloto comercial, o Ponto Nemo é uma zona de exclusão, afinal é longe demais para o resgate e isolado demais para a sobrevivência.
O cemitério das “estrelas“
Se a aviação comercial foge do Ponto Nemo, a aviação espacial o tem como um queridinho. Ironicamente, o mesmo isolamento que afasta os Boeings e Airbus atrai a NASA e a Roscosmos (a Agência Espacial Russa).
Conhecido como o “Cemitério de Espaçonaves”, esta região é o alvo preferencial para a reentrada controlada de lixo espacial. Como a chance de atingir uma pessoa ou propriedade ali é estatisticamente nula, é para lá que as agências espaciais enviam seus gigantes desativados. Os animais da região que lutem, infelizmente.
No fundo escuro dessas águas, estão os restos da estação espacial soviética Mir., dezenas de veículos de carga Progress (russos) e ATV (europeus). E não muito distante está a data em que será o túmulo da própria Estação Espacial Internacional (ISS), cuja aposentadoria está prevista para o final da década, em 2030.
A conexão humana
O Ponto Nemo acaba sendo um paradoxo da era moderna: é o lugar na Terra onde a tecnologia de ponta (satélites) vai para morrer, e onde a tecnologia de transporte (aviões) teme entrar.
Quando um avião comercial cruza alto o Pacífico Sul, ele traça uma linha de segurança tangencial a este ponto. Os passageiros olham pela janela e veem apenas água, sem saber que, a milhares de quilômetros dali, no silêncio desse polo de inacessibilidade, está a história da conquista espacial, longe dos olhos de qualquer rota aérea.







