De conhecimento geral, “erro crasso”, é uma expressão que usamos para descrever um erro gigante, uma falha grosseira, imperdoável e, se não for muito grave, mas quisermos dar um leve drama, seria o mesmo que “dar uma rata” no goianês.
O que muitos não sabem é que esta não é apenas uma figura de linguagem: é uma referência histórica a um dos maiores desastres militares da história de Roma, protagonizado pelo general Marco Licínio Crasso.
O contexto
Marco Licínio Crasso (115 a.C. – 53 a.C.) era conhecido como o homem mais rico de Roma. Ele formava, ao lado de Júlio César e Pompeu, o Primeiro Triunvirato, a aliança política que controlava a República Romana.
Enquanto César conquistava a Gália e Pompeu tinha fama por suas vitórias no Oriente, Crasso sentia que seu prestígio militar não se comparava ao seu poder econômico e político. Em busca de glória, ele decidiu orquestrar uma campanha militar massiva contra o Império Parta (localizado na região do antigo Império Persa, hoje Irã e Iraque).
Essa decisão foi o primeiro erro: a invasão não tinha um casus belli (justificativa de guerra) claro. Foi uma campanha movida puramente pela ambição pessoal de Crasso, ignorando os maus presságios e os conselhos de seus aliados.
Os Dados da Batalha de Carrhae (53 a.C.)
O “erro crasso” virou realidade na Batalha de Carrhae (perto da moderna Harran, Turquia), em 53 a.C. Os dados militares da campanha, conforme relatados por Plutarco e outros historiadores como Cássio Dio, expõem a magnitude da falha de planejamento.
Forças Romanas (Dados de Crasso):
- Contingente: Sete legiões romanas.
- Estimativa Total: Aproximadamente 40.000 a 43.000 homens, incluindo:
- Cerca de 28.000 a 35.000 legionários (infantaria pesada).
- 4.000 cavaleiros (incluindo mil cavaleiros gauleses liderados por seu filho, Públio).
- 4.000 tropas auxiliares (infantaria leve).
Forças Partas (Lideradas pelo General Surena):
- Contingente: Significativamente menor, focado em mobilidade.
- Estimativa Total: Cerca de 10.000 homens, compreendendo:
- 9.000 arqueiros a cavalo.
- 1.000 catafratários (cavalaria pesada couraçada).
A falha grosseira
O erro de Crasso não foi apenas numérico, mas tático. Ele cometeu uma série de equívocos que selaram a derrota:
- Logística: Ignorou a rota mais segura pelo norte (Armênia) e optou por marchar diretamente pelo deserto da Mesopotâmia, expondo suas tropas ao calor extremo e à falta de suprimentos.
- Subestimação do Inimigo: Crasso esperava uma batalha de infantaria tradicional, onde suas legiões eram superiores. Ele desconhecia ou ignorou a eficácia da tática parta.
- A Tática Parta: Os romanos foram atraídos para o terreno aberto. Os 9.000 arqueiros a cavalo partas cercaram as legiões (formadas em um quadrado defensivo) e dispararam uma chuva incessante de flechas, capazes de penetrar as armaduras romanas. Eles usavam a tática do “tiro parta” (fingir recuar e atirar para trás).
- Inutilidade da Infantaria: A infantaria pesada romana, lenta, não conseguia alcançar os arqueiros móveis. Quando a cavalaria pesada parta (catafratários) atacava, a infantaria já estava desmoralizada e exaurida.
O desastre
As fontes da antiguidade, embora possam ter exagerado, são consistentes sobre o resultado catastrófico. Segundo os relatos de Plutarco, os números da derrota romana em Carrhae são assombrosos:
- Mortos: Cerca de 20.000 soldados romanos.
- Capturados: Cerca de 10.000 soldados romanos.
Crasso e seu filho, Públio, morreram na batalha. O próprio Crasso foi traído e morto durante uma falsa negociação de trégua. A lenda (provavelmente apócrifa, isto é, não considerada oficial, mas simbolicamente poderosa) diz que os partas derramaram ouro derretido em sua garganta, uma zombaria à sua ganância insaciável.
O legado
A Batalha de Carrhae foi mais do que uma derrota; foi uma humilhação que abalou Roma. As águias legionárias (os estandartes sagrados das legiões) foram capturadas pelos partas, um símbolo de vergonha suprema que Roma levou décadas para recuperar.
O desastre foi tão completo, tão derivado da arrogância e da má avaliação de um único homem, que o nome de Crassus tornou-se, no léxico latino e, posteriormente, nas línguas latinas (como o português), sinônimo de um erro estúpido, grosseiro e fatal.
Portanto, quando se diz “erro crasso”, não se está apenas usando um adjetivo forte. Está-se evocando os dados históricos de uma campanha militar onde 40.000 homens foram levados ao deserto para morrer, tudo por causa da vaidade de seu comandante.










