Não é só sobre o rio ou os peixes, é sobre as pessoas. Ao levar a categoria Imprensa no 23º Prêmio Crea de Meio Ambiente (Prêmio Seriema), o documentário ‘Expedição Araguaia’ provou um ponto importante: a ciência não precisa ser difícil. Ela pode, e deve, falar a língua de todo mundo.
Sob a direção de Thaís Oliveira e codireção de Mariana Telles — ambas docentes da UEG que unem o olhar do cinema ao da biologia —, o filme nasceu dentro do programa Araguaia Vivo 2030. A produção acompanha a maior expedição científica já realizada na bacia, transformando um barco-hotel em laboratório flutuante para mais de 30 pesquisadores e uma equipe de filmagem.
Além do Seriema, a obra já havia conquistado o prêmio de Melhor Filme Ambiental no festival Festivíssimo, em São Paulo, e foi selecionada para mostras internacionais na França, México e Colômbia.
A vez da “Ciência Cidadã”

O foco narrativo do documentário é a metodologia aplicada pelo programa: a “Ciência Cidadã”. O filme revela como a comunidade, antes desconfiada de pesquisadores que apenas coletavam dados e iam embora, passou a se enxergar como peça-chave na defesa do rio graças à abordagem do Araguaia Vivo.
“O conceito principal é que a comunidade local trabalhe como cientista cidadão. Eles não são pesquisadores formais do instituto, mas participam ativamente da coleta de dados”, explica Mariana Telles, codiretora e coordenadora do programa.
Um exemplo prático dessa mudança de mentalidade está nos guias de pesca. Portando cadernetas, eles passaram a registrar espécies, quantidades e períodos de peixes capturados. “Eles têm uma bagagem gigante. Conhecem o rio muito mais que qualquer um, porque estão lá desde que nasceram. Com a ajuda deles, levantamos dados inéditos de peixes no Araguaia que nunca tínhamos tido antes”, completa a bióloga.

Para Mariana, essa mobilização tem um impacto que vai além da educação ambiental. “Os dados produzidos pelo Araguaia Vivo têm ajudado a embasar políticas públicas voltadas ao uso sustentável do rio e do território. Quando comunidade e universidade trabalham juntas, a gestão se torna mais precisa e mais justa.
“Mãe Araguaia”

E se a ciência trouxe os dados, o cinema trouxe a sensibilidade. Para Thaís, diretora do filme, o desafio foi traduzir gráficos e estatísticas para a tela sem perder o rigor, mas ganhando o coração do público. O resultado é um retrato fiel da relação incalculável entre o ribeirinho e as águas.
“O que mais me marcou foi a relação da população com o rio. Todos eles, sem exceção, chamam o rio de ‘Mãe Araguaia’. Porque é dele que vem o sustento e existe um sentimento de pertencimento. Eles querem que o rio permaneça vivo”, relata Thaís.
A cineasta destaca ainda a força do audiovisual goiano. Em 20 anos, o estado produziu mais de 1.200 filmes, exportando talentos para grandes plataformas de streaming. “Mostrar o filme na França, Portugal e México reforça que o cinema feito aqui tem qualidade técnica e que a ciência produzida em Goiás é de altíssimo nível”, afirma.
A diretora lembra também do impacto da exibição no FICA 2025, onde o documentário teve a sessão mais concorrida da edição. “Tivemos a sessão mais lotada do festival, foi emocionante”, conta Thaís. “O público percebeu não só a qualidade do filme, mas a importância do Cerrado e do Araguaia.”
Do conflito à cooperação
Mas nem tudo são flores, pois o caminho até o reconhecimento não foi fácil. A equipe enfrentou uma certa resistência inicial de gestores públicos e moradores, que não acreditavam na efetividade das pesquisas. Mariana relembra o caso de um prefeito da região que, no primeiro contato, recebeu a equipe com hostilidade. Um ano depois, ao ver o resultado do trabalho envolvendo as escolas e a comunidade, o mesmo gestor reconheceu a importância do projeto.
O filme também serve como antídoto ao negacionismo científico, utilizando a imagem para combater a desinformação ambiental. “Se continuarmos fazendo a mesma coisa, teremos os mesmos resultados. As premiações são um recado de que a direção certa é essa: usar o audiovisual para popularizar a ciência”, pontua Mariana.
O futuro do Araguaia
Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e de 18 instituições parceiras, o projeto não para no prêmio. Os próximos passos do Araguaia Vivo 2030 incluem um novo documentário focado no protagonismo da pesca esportiva feminina e ações para fomentar o turismo de observação de natureza – uma alternativa econômica para os guias durante a época da piracema, quando a pesca é proibida.
No fim, o documentário prova que cuidar do Araguaia não é tarefa para se fazer sozinho. O sucesso está no encontro: quando a universidade se aproxima do pescador e a ciência caminha junto com a comunidade, todo mundo ganha.







