De quando em vez, surgem, pelas sugestões de notícias, algumas matérias curiosas sobre “profissões que desapareceram”. Com a chegada da Inteligência Artificial, essas preocupações com extinção de trabalhos sempre retornam. Mas se acalme, pois nem tudo se perde.
Essas listas de “profissões extintas” costumam simplificar a história do trabalho ao sugerir que certas ocupações foram completamente eliminadas pela tecnologia. Mas estudos históricos mostram que poucas ocupações somem de fato: elas se transformam, migram para nichos específicos ou sobrevivem como práticas culturais.
A seguir, confira uma lista de dez profissões frequentemente apresentadas como desaparecidas — mas cuja trajetória real é mais complexa.
1) Despertador humano (Knocker-up)

Ao contrário do que circula, os knocker-ups — pessoas que trabalhavam para acordar outras — não surgiram pela inexistência de despertadores mecânicos. Relógios já existiam no século XIX, mas eram caros e pouco confiáveis. Por isso, trabalhadores das cidades industriais britânicas dependiam desses profissionais para acordá-los no horário certo, sob pena de perder dias de pagamento.
O método variava: varas longas, estilingues de ervilhas secas e até instrumentos usados por apagadores de lampiões. Em algumas cidades mineradoras, moradores deixavam lousas com horários de turno nas fachadas.
Fato histórico: a profissão chegou a desaparecer, mas não foi no período vitoriano. Ela sobreviveu até o início da década de 1970 no norte da Inglaterra.
2) Leitor de fábrica (Lector)

Em fábricas de charuto, leitores pagos pelos trabalhadores liam romances, jornais e textos políticos enquanto os operários trabalhavam. A lenda é de que o rádio teria extinguido a função, mas isso não aconteceu — ele foi introduzido depois.
Nos EUA, a prática foi alvo de conflitos trabalhistas. Em 1931, fabricantes de charuto de Tampa (Ybor City) proibiram oficialmente os lectores para enfraquecer a organização sindical, após semanas de tensão envolvendo polícia e grupos como a Ku Klux Klan.
Fato histórico: a tradição não desapareceu. Afinal, ela segue viva em Cuba, onde os lectores são reconhecidos como herança cultural nas fábricas de charuto.
3) Ressurreicionista

Os chamados “Ressurreicionistas” — ladrões de corpos que abasteciam escolas médicas — não desapareceram espontaneamente. A atividade era lucrativa até a aprovação do Anatomy Act de 1832 (na Inglaterra), que permitiu o uso de corpos não reivindicados de hospitais e asilos, eliminando a necessidade do mercado clandestino.
Casos residuais ocorreram até a década de 1860.
4) Cortador de gelo

A colheita de gelo natural não era um ofício sem reconhecimento. No século XIX, constituiu uma indústria internacional, com exportações dos EUA para a Índia, América do Sul e o Caribe.
O declínio começou quando cidades poluíram suas fontes de água, tornando o gelo natural inseguro — o que impulsionou o gelo industrial mesmo antes da popularização das geladeiras domésticas.
Fato histórico: o corte de gelo não desapareceu totalmente. Ainda ocorre em eventos tradicionais e localidades turísticas, como nos Rockywold Deephaven Camps, em New Hampshire.
5) Arrumador de pinos (Pinsetter)

Os arrumadores de pinos — em geral adolescentes — foram amplamente substituídos por máquinas automáticas após a década de 1940. Mas a função não desapareceu totalmente.
Fato histórico: boliches históricos, como o Holler House (Milwaukee), ainda empregam arrumadores manuais.
6) Caçador de ratos

A crença de que caçadores de ratos desapareceram com a modernidade é incorreta. Embora ele tenha ganhado uma fama considerável na Europa pós-Peste Bubônica, o controle manual de roedores, claro, nunca deixou de existir.
Hoje, o nome mudou para técnico de controle de pragas, mas métodos tradicionais persistem em cidades do mundo inteiro — inclusive em Nova York, que chegou a instituir o cargo de “rat czar” para coordenar ações de combate.
Fato histórico: a profissão não só não desapareceu como continua sendo uma atividade especializada.
7) Localizador acústico

Antes da popularização do radar, exércitos utilizavam grandes aparelhos acústicos para detectar aviões. A narrativa comum afirma que esses equipamentos sumiram “do dia para a noite” quando o radar foi inventado, mas isso não ocorreu.
Fato histórico: localizadores acústicos continuaram em uso durante parte da Segunda Guerra Mundial, inclusive pelo Exército Britânico, até que os radares se tornaram confiáveis e amplamente disponíveis. Só então foram aposentados.
8) Acendedor de lampiões

A automação com iluminação a gás e, depois, com eletricidade eliminou a necessidade dos acendedores de lampiões em massa. No entanto, a profissão não desapareceu tão cedo quanto se imagina.
Fato histórico: cidades europeias — como partes de Londres e Praga — mantiveram acendedores de lampiões até a década de 1950. Hoje, alguns locais preservam o ofício por motivos turísticos e culturais.
9) Computador humano

Antes de computadores eletrônicos, equipes de matemáticos — muitas vezes mulheres — realizavam cálculos extensos para astronomia, engenharia e projetos militares.
A popularização da computação não extinguiu a atividade de imediato.
Fato histórico: equipes de “computadores humanos” trabalharam na NASA até o início da década de 1970, em paralelo ao uso crescente de máquinas digitais.
10) Coletor de sanguessugas

O uso de sanguessugas é frequentemente descrito como um tratamento medieval que se extinguiu. Mas ele nunca foi abandonado totalmente.
A aplicação terapêutica de sanguessugas foi regulamentada e modernizada, especialmente após a década de 1980, quando estudos comprovaram benefícios para microcirurgia e reconstrução de tecidos.
Fato histórico: o ofício existe até hoje como parte da hirudoterapia, com criação controlada de sanguessugas para uso médico.









