Se você não esteve em uma caverna nos últimos anos, com certeza já ouviu falar de Virgínia Fonseca e do adjetivo que a acompanha: influenciadora digital. Mais do que falar dela, quero refletir sobre o que a presença de figuras como ela revela sobre a sociedade que somos e estamos nos tornando.
Um conceito útil aqui é o “espírito do tempo” — ou Zeitgeist, como popularizou Hegel. É a ideia de um clima intelectual, cultural, ético e político que marca uma época como única. Na época da minha avó, lá em Iporá, as informações não chegavam pela tela do celular, e o termo “influenciadora digital” não existia. Já em 2025, convivemos cada vez mais com pessoas que se colocam como pontos de influência. Mas influência de quê e de quem?
Essa idolatria me intriga. Nunca fui fã a ponto de abandonar tudo para ir a um show ou jogo. O que me chama atenção é como o senso crítico desaparece quando se trata de ídolos. “Idolatria: 1 Ato de prestar culto divino a algo ou alguém; 2 Amor cego ou admiração exagerada”, diz meu amigo de infância, o Dicionário Michaelis. Não levanto aqui um debate religioso. Convido você a pensar: quem são os nossos ídolos de hoje? O que eles propagam?
Lembro da Copa de 1994. Tinha cinco anos e já via como o futebol mobilizava o país. Zero paixão da minha parte, mas lembro de Tafarel, Bebeto, Romário. E quem viveu sabe: até derrotas viram parte do folclore. Mas o meu questionamento não é se o Brasil é ou não bom de bola, se merece ou não esse ou aquele título. Até porque, no 7×1, estava dormindo e pensei que cada gol era um reprise da TV.
O que me inquieta é como, mesmo diante de episódios assim, ou de fichas criminais públicas como as de Bruno, Robinho e Daniel Alves, o senso crítico parece não importar. Se o jogador atua bem, o resto é deixado de lado. E olha que nem falei do ídolo Garrincha e as acusações de violência doméstica.
Na política, o cenário é parecido. Antes se dizia que “política, religião e futebol não se discutiam”. Isso mudou. Mas o debate, muitas vezes, virou achismo — opinião solta em botecos, elevadores, redes. O senso crítico dá lugar à idolatria. O político do lado A é visto como herói; o do lado B, como vilão, independente do plano de governo ou dos escândalos em que esteja envolvido.
As redes sociais virtuais deram uma pitada a mais de pimenta nesse rebuliço que é o Brasil. Além de reconfigurar o modo de fazer política e jornalismo, trouxeram à tona figuras peculiares e mostraram que nossa sociedade também tem se reconfigurado. Segundo pesquisa da Nielsen (2023), o Brasil é o país dos influenciadores digitais: mais de 500 mil com mais de 10 mil seguidores. Somos o segundo país que mais passa tempo on-line — cerca de nove horas por dia.
No início, influenciadores eram as blogueiras. Camila Fremder (uma das minhas preferidas), por exemplo, começou escrevendo sobre o cotidiano e hoje faz vídeos para o TikTok e podcasts como É Nóia Minha?. Depois vieram as blogueiras de comportamento e moda. As fitness são um caso à parte. Recomendam muito, mesmo sem diploma algum. A Maíra Cardi é uma delas. Me espanta saber como ela ganha seguidores mesmo com a história que tem. Para saber mais, recomendo ouvir o episódio do podcast Má Influência. Aliás, recomendo todos os episódios deste podcast de Maria Bopp e Babu Carreira, que traz histórias reais de figuras da moda, finanças e bem-estar que usaram sua influência para aplicar golpes.
Mas os blogs perderam espaço para o consumo rápido das redes: vídeos curtos, dancinhas. O influencer virou profissão por indicar produtos, gerar consumo — até de jogos de azar. E os seguidores/influenciáveis somos nós. O impacto do que promovem parece não ser problema deles. Virgínia não foi acusada na CPI das bets, mas indica jogos, não? Outras figuras ganharam espaço, como Pablo Marçal, que surfa na onda do conhecimento rápido e sem leitura crítica. Não à toa teve votação expressiva para prefeito de São Paulo em 2024 (28,14% dos votos válidos). A onda redpill também cresceu. E lá estão os legendários escalando montanhas e colando adesivos no carro.
O canto da sereia está por todo lado. Quando se percebe, você está seguindo quem expõe a própria filha criança para engajar. E engajamento significa dinheiro: venda de marcas, produtos próprios. Levantamento da Cupom Válido (2024) mostrou os valores envolvidos: os top de linha (ex-BBBs, celebridades) cobram de R$ 150 mil até milhões por post. Influenciadores com 1 a 5 milhões de seguidores cobram de R$ 78 mil a R$ 182 mil por publicação. Quem ultrapassa os 10 milhões fatura cerca de R$ 182 mil por ação, podendo chegar a R$ 500 mil em campanhas exclusivas. Parece um sonho, mas a realidade é que a maioria ganha entre R$ 500 e R$ 5 mil por mês.
Nesse caminho, estamos seguindo influenciadores de quê? De que conteúdo? De que ética? De como muda a sua vida? Quanto tempo gastamos rolando feeds de pessoas que estão ali para alimentar o ego e contas bancárias? Ao mesmo tempo, no ir e vir autorizamos que eles influenciem nossos consumos, hábitos, visões de mundo… nossas vidas. Em contrapartida, nada de responsabilização por parte deles. Debate esse que segue no Judiciário brasileiro. Nas terras além-mar já temos exemplo disso.
A vencedora do Miss Grand International 2021, Nguyen Thuc Thuy Tien, foi presa no Vietnã, em maio, por suspeita de fraude na promoção de um suplemento alimentar. Na China, uma onda de banimentos atingiu influenciadores de moda e luxo que ostentavam estilo de vida extravagante em plataformas como Weibo, Douyin e Xiaohongshu. Entre eles estão Wang Hong Quan Xing — apelidado de “Kim Kardashian da China” —, que afirmava nunca sair com menos de ¥10 milhões (mais de R$ 7 milhões) em roupas; Sister Abalone, conhecida por ostentar palacetes e joias; e “Mr. Bo”, famoso por seu consumo exagerado de produtos de grife.
A medida, implementada em abril de 2024 pela Administração do Ciberespaço chinês, proíbe a “promoção deliberada” de luxo e materialismo online por gerar “má influência nos adolescentes”, segundo o Beijing News. Mas aqui a história parece outra. A responsabilização pelas ações não é feita, nem em termos judiciais nem pela sociedade, já que os influenciadores continuam com milhões de seguidores.
Não há de desconsiderar como a internet pode ser um meio potente de trocas, encontros e conhecimento. E isso tem sido feito. Hoje encontramos produtores de conteúdo de vários nichos a um clique. Deixo aqui sugestão de alguns: Nathália Arcuri, Michel Alcoforado, Maria Homem, NerdCast, Três Elementos. Apesar de não querer ser moralista e dizer que o consumo midiático deve ser apenas educativo, o que me intriga é como ainda a opção é pelo consumo raso, frágil, sem substância. Cada vez mais o tempo é gasto com o nada. Enquanto isso, no imaginário de crianças e adolescentes, a “profissão influencer” ganha espaço. No fim das contas, a pergunta que fica é: por quem você quer ser influenciado? E o que está disposto a deixar que influenciem em você?