E aí, já comprou seu bebê reborn?

O que o fenômeno dos bebês reborns revela sobre nossas relações, afetos e solidão?

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boneca
Foto: Freepik

Não era a primeira vez que eu ouvia o termo “bebê reborn”. Já tinha visto imagens dessas bonecas hiper-realistas que emulam bebês recém-nascidos e me impressionei com o quanto se parecem com crianças de verdade. Mas a lembrança mais marcante que tenho foi quando minha sobrinha, na época com cerca de seis anos, pediu uma de presente de aniversário.

Meses atrás, compartilhei com meu companheiro um episódio que ouvi em um dos meus podcasts favoritos, o Não Inviabilize, da Deia Freitas. A história contava sobre um homem que se relacionou com uma mulher que tratava uma boneca reborn como filha: com nome, rotina de cuidados e afeto típico da maternidade real. O caso gerou desdobramentos, mas sem spoilers — recomendo que você escute o episódio.

O que me assustou, e não apenas a mim, é como essa situação não é isolada. Uma avalanche de conteúdos nas redes sociais e em portais de notícias tem dado visibilidade ao universo dos bebês reborns. Celebridades como Padre Fábio de Melo e Gracyanne Barbosa já foram alvos do tema.

Lembro-me de uma das primeiras notícias que li sobre o assunto: uma mulher foi hostilizada em um shopping por estar com uma dessas bonecas no colo. Em outro caso, uma passageira usou o bebê reborn para acessar o assento preferencial no transporte público. Também houve o encontro de “mães de reborns” em São Paulo — entre elas, uma que vestia sua boneca como o boneco assassino Chuck. Se você tem mais de 30 anos, provavelmente também cresceu com medo dessa figura. Eu mesma morria de medo, tanto dele quanto da boneca do Fofão que minha tia tinha e que me lembrava muito do boneco ruivo. Mas isso é assunto para outra hora.

O que me espantou, mais recentemente, foi a criação do Dia da Cegonha Reborn, proposta e aprovada por vereadores do Rio de Janeiro. Sim, um projeto de lei foi debatido e sancionado com recursos públicos.

Inicialmente, evitei opinar sobre o tema. Guardava minhas reflexões para conversas de boteco. Mas um relato de uma advogada de família, Suzana Ferreira, me arrancou do silêncio. Ela contou que saiu perplexa de uma reunião com um casal em processo de divórcio, disputando a “guarda” de uma boneca reborn. A partir daí, lançou uma pergunta importante: como o Judiciário vai lidar com esse tipo de situação?

Foi então que me senti dentro de um episódio de Black Mirror, série da Netflix que discute o impacto da tecnologia nas relações humanas. Será exagero? Talvez não. Se você pesquisar no Google ou no Instagram a palavra “bebê”, verá que bebê reborn aparece entre os termos mais buscados.

A polêmica em torno dessas bonecas revela questões de gênero profundas. Com exceção da advogada que atua no divórcio mencionado, as principais figuras envolvidas nas narrativas midiáticas são mulheres. Não é coincidência. Mulheres cisgênero são ensinadas desde cedo a cuidar do outro — começando com bonecas ainda na infância, quando mal sabemos andar ou falar.

As empresas que comercializam reborns associam seus produtos a termos como “maternidade de bonecas” e “parto reborn”. A apresentadora Luciana Gimenez chegou a mostrar como esse “parto” é feito em seu programa de TV. Mas… onde estão os pais dessas crianças emuladas? A maternidade, mais uma vez, é retratada como um papel exclusivamente feminino e solo.

É comum encontrar comentários que taxam essas mulheres de “loucas”. Esse tipo de julgamento ecoa séculos de estigmatização do comportamento feminino fora do padrão. Mas há outro ponto que não pode ser ignorado.

Alguns defensores dos bebês reborns alegam que se trata de um hobby ou item de coleção — assim como os action figures de super-heróis, geralmente associados ao público masculino. Inclusive, muitos homens participam de encontros públicos vestidos como seus personagens favoritos. Porém, não posso deixar de relatar que eu mesma tenho um baby Yoda na estante. Mas essa comparação perde força quando consideramos que os casos que ganham repercussão não se limitam à estética ou ao colecionismo. Eles envolvem simulação de cuidados com uma criança real.

A origem dos bebês reborns é incerta, mas acredita-se que surgiram como forma de apoio emocional para pessoas em luto — daí o nome “reborn”, que em inglês significa “renascido”.

O que os defensores dessas bonecas muitas vezes ignoram é o que seu uso escancara sobre a sociedade contemporânea. Estamos cada vez mais fisicamente distantes uns dos outros. Preferimos conversar por aplicativos de mensagens a convidar alguém para um café. Vemos a vida dos outros pelos stories do Instagram, mas esquecemos de perguntar se estão bem. Estamos nos isolando do mundo com telas nas mãos. O filme WALL·E (2008) já havia nos alertado sobre isso, ao mostrar uma sociedade hiperconectada e, ao mesmo tempo, profundamente solitária em seus carrinhos flutuantes com uma tela acoplada.

A popularidade da inteligência artificial também é sintomática. Pessoas têm recorrido a assistentes como o ChatGPT em busca de conselhos ou companhia. Lembra do filme Ela (Her, 2013), em que um homem se apaixona por uma IA? Ou da realidade japonesa, onde há casos de homens que se casam com bonecas?

Não sou contra a tecnologia — pelo contrário, busco usá-la de forma consciente. Mas é preciso refletir: o que estamos substituindo com essas relações mediadas por bonecas, telas e algoritmos?

Outro ponto que merece atenção é o aspecto econômico. As bonecas realistas podem custar até R$ 10 mil. Embora hoje esse seja um mercado restrito, é plausível imaginar um futuro em que versões com inteligência artificial sejam comercializadas em maior escala. Com que propósito? Recriar entes queridos? Reviver vínculos perdidos?

Casos midiáticos extremos, como o de uma mulher que levou o reborn a um hospital e filmou tudo para as redes sociais, mostram que o desejo de viralizar e monetizar muitas vezes se sobrepõe à reflexão crítica. Não por acaso, a disputa judicial pela guarda de uma boneca que relatei, já havia até perfil de Instagram criado para ela. Quem ficasse com a “criança” poderia também lucrar com o engajamento.

Mas meu questionamento vai além da espetacularização. O que me inquieta é ver pessoas simulando, de forma contínua, o cuidado com seres inanimados como se fossem humanos. Em um tempo em que famílias se diversificam e muitas pessoas optam por não ter filhos, “adotar” uma boneca hiper-realista pode ser um sinal de que estamos nos distanciando das relações humanas — e, com isso, da empatia, da dor e do amor genuíno.

Não é por acaso que escolhi usar os termos “boneca” e “emular” ao longo deste texto. Diante de tudo isso, me pergunto: será que estamos perdendo a noção do que é — ou não — real?

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