Nesta segunda, 18, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, proferiu uma decisão liminar (provisória) que reforça um princípio já existente no ordenamento jurídico brasileiro: leis, decisões judiciais e atos administrativos emitidos por outros países não têm efeito automático no Brasil. A medida reitera o princípio da soberania nacional e determina que qualquer norma ou ordem estrangeira que possa afetar direitos no país só pode ser aplicada após a devida análise e autorização das autoridades judiciais brasileiras competentes.
O que estava em discussão
A decisão foi tomada dentro de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). A entidade questionava a legalidade de municípios brasileiros acionarem diretamente a Justiça do Reino Unido em processos contra mineradoras, sem a prévia autorização da Justiça brasileira.
Contudo, a decisão do ministro teve um alcance mais amplo. Segundo Dino, aceitar que ordens estrangeiras, especialmente atos unilaterais de outros governos, valham de forma imediata e sem análise configuraria uma violação à soberania e à ordem pública do Brasil. Na prática, isso reafirma que empresas, contratos e cidadãos em território brasileiro não podem ser diretamente atingidos por sanções, bloqueios ou determinações vindas de outro país sem o devido processo legal em solo nacional.
O pano de fundo: sanções dos EUA
A decisão ocorre em um momento de tensão internacional. Recentemente, o governo Trump aplicou sanções a autoridades brasileiras, incluindo o ministro do STF Alexandre de Moraes, com base na chamada Lei Magnitsky. Essa legislação norte-americana autoriza sanções contra pessoas acusadas de violações de direitos humanos.
Na justificativa, o governo americano acusa Moraes de atos que restringiriam a liberdade de expressão. Entre os efeitos práticos dessas sanções está o bloqueio de ativos, os quais Moraes não tem em solo estadunidense, e a proibição do uso de serviços financeiros internacionais, como cartões de crédito com bandeiras norte-americanas.
Sem citar diretamente a lei dos EUA, Dino afirmou que o cenário atual revela “ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras”, classificando tais práticas como protecionismo e neocolonialismo. Para o ministro, o Brasil não pode se limitar a “ratificar” imposições externas que atingem sua soberania.
E o que a decisão determina na prática?
Com a decisão, instituições financeiras que atuam no Brasil — incluindo o Banco Central, a Febraban, a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e o setor de seguros (CNseg) — foram notificadas. Dino determinou que qualquer bloqueio de ativos, cancelamento de contratos, transferência de valores ou outras operações financeiras determinadas por governos ou tribunais estrangeiros só poderão ocorrer se forem previamente autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro.
Além disso, o ministro abriu a possibilidade de que qualquer cidadão ou empresa que se sinta lesado por uma medida internacional possa acionar diretamente o STF para buscar proteção, enquanto a decisão liminar estiver em vigor.
Por fim, Dino convocou uma audiência pública para debater o tema, ainda sem data definida. O objetivo é discutir os limites e as condições para que leis e sanções estrangeiras possam ou não interferir na vida de brasileiros e de empresas que atuam no país.