Era manhã, 12 de maio de 1902, e o que ninguém esperava aconteceu bem diante dos olhos de quem estava na Avenida du Maine em Paris. O dirigível Pax — projetado e pilotado pelo brasileiro Augusto Severo — explodiu durante um breve voo experimental. Esse acontecimento matou Severo e o mecânico Georges Saché e entrou para a história como uma das primeiras tragédias da aviação moderna.
Inventor, deputado e entusiasta da navegação aérea, Augusto Severo levou ao Pax soluções semirrígidas e motores a combustão que buscavam responder ao desafio da dirigibilidade dos balões (aeronaves mais leves que o ar) — mas a combinação com o hidrogênio e motores expostos terminou em explosão poucos minutos após a decolagem na estação de Vaugirard, em Paris.
Quem foi Augusto Severo

Augusto Severo de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba (Rio Grande do Norte) em 11 de janeiro de 1864. Formado em ciências e com carreira política, Severo foi deputado federal e, paralelamente, dedicou décadas ao estudo de aeróstatos (balões) e dirigíveis — ocupando um lugar de destaque entre os primeiros inventores brasileiros interessados em navegação aérea.
Nos anos 1890 e início do século XX, Severo trabalhou em diversos projetos, entre eles um dirigível semirrígido batizado inicialmente de Bartholomeu de Gusmão e, mais tarde, o Pax (Latinização do nome “Paz” patenteado no Brasil). As inovações técnicas que propôs — como a integração do grupo propulsor à estrutura do invólucro e a tentativa de justaposição de forças de tração e resistência — já mostravam uma visão técnica avançada para a época.
Além da engenharia, Severo tentou financiamento e prêmios internacionais (como o Deutsch Prize) para validar seus projetos e competir com os centros de pesquisa europeus. A ida a Paris no fim de 1901 foi motivada justamente pela busca de apoio técnico e pela construção do Pax em ateliers franceses especializados.
O Pax
O Pax era um dirigível semirrígido de cerca de 30 metros de comprimento, com invólucro inflado a hidrogênio e capacidade estimada em torno de 2.500 m³. Severo planejou originalmente motores elétricos, mas, por limitações de recursos e prazo, equipou a aeronave com dois motores a explosão (Buchet) — um de aproximadamente 24 cv e outro de 16 cv — além de várias hélices distribuídas para tentar controlar o movimento.
A configuração já demonstrava ambição: o Pax não tinha um leme tradicional e usava um conjunto de hélices (uma na popa, outra na proa, uma na nacele e hélices laterais) para manobra.
Ah, e uma breve pausa para explicar o que é nacele: Na aviação da época, a nacele (ou barquinha) era a estrutura onde ficavam a tripulação, os controles e os motores. Diferente das cestas de vime soltas dos balões comuns, no Pax ela era uma treliça integrada rigidamente à estrutura do balão para tentar dar mais estabilidade ao voo.
Voltando à história…
O projeto misturava conceitos semirrígidos e soluções experimentais de propulsão, o que o colocava entre as propostas técnicas mais interessantes — e também mais arriscadas — da época.
Testes iniciais realizados em Paris nos primeiros dias de maio de 1902 foram relatados com um sucesso relativo — provas presas ao solo e pequenos ensaios — mas mantinham o elemento perigoso do hidrogênio combinado a motores a combustão expostos, fator que foi determinante para o desastre acontecer.
O voo fatal
O Pax decolou da estação de Vaugirard (perto do bairro de Montparnasse) nas primeiras horas de 12 de maio de 1902. Testemunhas e jornais da época relatam que o aparelho subiu rapidamente até cerca de 350–400 metros e, poucos minutos depois, foi atingido por um incêndio que provocou uma explosão e queda quase imediata. Os dois ocupantes, Augusto Severo e o mecânico Georges Saché, morreram no impacto.
Relatos da imprensa internacional descrevem uma chama envolvendo o motor que rapidamente alcançou o invólucro inflado a hidrogênio; a queda durou apenas alguns segundos e espalhou destroços na Avenue du Maine, perto de residências. A violência do acidente e o fato de Severo ser um conhecido parlamentar brasileiro deram ampla repercussão, com relatos em jornais da Europa, América do Sul e Austrália.

Investigações e comentários posteriores apontaram como prováveis causas a ignição do hidrogênio por faíscas dos motores ou vazamentos próximos às fontes de calor — uma combinação que, hoje, aparece óbvia como risco, mas que na época era parte das fronteiras perigosas da experimentação aeronáutica. A tragédia não impediu, porém, que as ideias semirrígidas seguissem influenciando projetos futuros.
Santos-Dumont, a memória e o legado técnico e cultural
Alberto Santos-Dumont, contemporâneo e compatriota cujas experiências com balões e dirigíveis também ocorreram em Paris, aparece em registros fotográficos ao lado de Augusto Severo e Georges Saché no dia do acidente, o que evidencia que ambos circulavam no mesmo circuito técnico e social da aerostação parisiense. A tragédia foi comentada por colegas e teve repercussão entre os pioneiros da aviação.
Na cultura e na memória pública, a queda do Pax foi retratada por cineastas (para se ter ideia, Georges Méliès fez um curta sobre o episódio) e lembretes urbanos foram fixados tanto em Paris (placas e nomes de rua) quanto no Brasil: ruas, praças e o Aeroporto de Parnamirim (que chegou a se chamar Aeroporto Internacional Augusto Severo) foram batizados em sua homenagem, e tributos póstumos mantiveram vivo o nome do inventor.
Tecnicamente, a lição do Pax reforçou debates sobre segurança dos gases de elevação (hidrogênio versus alternativas), proteção das fontes de ignição e projetos de nacele e motores. Apesar da tragédia, as propostas semirrígidas e a tentativa de combinar propulsão distribuída continuaram a influenciar o desenvolvimento dos dirigíveis nas décadas seguintes.







