As aves com plumagens vibrantes, que encantam os olhos de qualquer observador, estão desaparecendo das cidades brasileiras. O fenômeno não é por acaso: um estudo conduzido pelo biólogo Lucas Nascimento revela que fatores como alimentação, tamanho corporal e intensidade das cores funcionam como filtros naturais que dificultam a adaptação dessas espécies aos ambientes urbanos.
Publicado na revista Global Change Biology, o artigo é resultado da tese de doutorado de Nascimento, atualmente pós-doutorando no Instituto de Biociências da USP. O estudo analisou aves em cinco biomas brasileiros — Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa — e constatou que as chamadas aves “megacoloridas”, que representam os 5% mais coloridos de cada região, enfrentam obstáculos específicos para sobreviver nas cidades.
A explicação está nas exigências do meio urbano. Aves onívoras e de maior porte, que se adaptam com facilidade a restos de comida humana e condições hostis como as ilhas de calor e a escassez de áreas verdes, tendem a prosperar. Já espécies pequenas, de dieta especializada e com cores chamativas — como a saíra-militar — estão em desvantagem, tanto pela dificuldade de encontrar alimento quanto pela maior vulnerabilidade à predação e ao tráfico ilegal.
A pesquisa também destaca o papel da ciência cidadã. Com o uso da plataforma eBird, onde qualquer pessoa pode registrar observações de aves, foi possível reunir dados em larga escala sem depender apenas de expedições científicas. Essa participação ativa da população reforça, segundo Nascimento, a relação entre sociedade e natureza — um elo essencial para a preservação da biodiversidade urbana.
Mais do que uma pesquisa sobre aves, o estudo propõe uma nova forma de olhar para as cidades: como biomas próprios, influenciados por fatores ecológicos, mas também sociais. O pesquisador argumenta que questões como racismo ambiental e desigualdade impactam diretamente a distribuição de áreas verdes e, portanto, moldam a ecologia urbana.
A chamada “evolução urbana”, conceito emergente na biologia, explica como certas espécies desenvolvem características que lhes permitem sobreviver às condições específicas das cidades. Com o avanço desse novo bioma, entender quais espécies resistem — e por quê — torna-se urgente. O bem-te-vi, por exemplo, é um símbolo dessa resistência, enquanto outras aves, menos adaptadas, vão desaparecendo silenciosamente do cotidiano urbano.
Com informações de Yasmin Constante – Jornal da USP