De acordo com informações da Agência Brasil, entre 2023 e 2024, os estados do Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo registraram, juntos, 41.203 crimes ambientais. Os dados fazem parte de um levantamento da Rede de Observatórios da Segurança, organização que monitora dados de violência e segurança pública no Brasil. No entanto, especialistas apontam que esse número está longe de refletir a real dimensão dos impactos ambientais e sociais em curso no país.
O relatório foi elaborado com base nas informações disponibilizadas pelas Secretarias Estaduais de Segurança, utilizando como parâmetro a Lei nº 9.605/1998, que trata dos crimes ambientais. Ainda assim, o documento destaca que há grandes lacunas nos dados — especialmente no que diz respeito à violência contra povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que não são contemplados de forma sistemática nos registros oficiais.
A cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede, critica a ausência de uma política nacional de monitoramento que considere essas populações. “Não é possível não termos ainda, nessas alturas do campeonato de destruição ambiental no Brasil, estatísticas oficiais rigorosas sobre vitimização das populações tradicionais”, afirma. Para ela, assim como ocorreu com a legislação voltada à violência de gênero, é preciso que os conflitos socioambientais também sejam reconhecidos e enfrentados com seriedade pelo Estado e pela mídia.
Falta de uniformidade nos dados
Um dos principais problemas identificados pela Rede de Observatórios é a falta de padronização na forma como os estados coletam e classificam as ocorrências. Enquanto estados como Pará, Pernambuco e Piauí entregaram informações detalhadas, outros, como Ceará, Maranhão e Rio de Janeiro, apresentaram apenas números genéricos ou deixaram de incluir dados sobre povos tradicionais.
Além disso, há inconsistências na categorização dos crimes. Onde foi possível detalhar, os delitos foram classificados em cinco grupos: contra a fauna, contra a flora, poluição, exploração mineral e outros. Na Bahia, por exemplo, 87,22% dos crimes ambientais registrados foram contra a flora.
Já no Piauí, 67,89% das infrações foram contra a fauna. O Maranhão apresentou o maior percentual de crimes relacionados à poluição (27,66%), enquanto os maiores índices de exploração mineral ocorreram no Rio de Janeiro (2,66%) e na Bahia (2,20%).
O Maranhão foi o estado que apresentou o maior crescimento percentual de crimes ambientais entre 2023 e 2024, com alta de 26,19%. Já o Pará teve um aumento expressivo nos crimes de incêndio em lavouras, pastagens, matas e florestas, com salto de 127,54% no período. São Paulo, por sua vez, registrou um crescimento alarmante de 246,03% nos crimes de incêndio em vegetação nativa — e lidera o ranking de ocorrências absolutas, com 17.501 registros.
Crimes legais e invisíveis
Outro ponto destacado no relatório é a omissão de práticas legais com grande impacto ambiental, como a abertura de rodovias, construção de hidrelétricas, desmatamento para a pecuária e agronegócio, além da mineração autorizada por órgãos públicos.
Embora essas ações estejam dentro da legalidade, os pesquisadores apontam que os danos causados deveriam ser incorporados a uma análise mais abrangente sobre a degradação ambiental.
Propostas para mudar o cenário
Diante do diagnóstico, a Rede de Observatórios apresentou algumas recomendações. A principal é a necessidade de padronização nacional na coleta e divulgação dos dados, com a inclusão obrigatória de informações sobre os impactos sobre comunidades tradicionais, mesmo quando o crime não for diretamente tipificado como violência contra essas populações.
O relatório também propõe a criação de órgãos especializados para lidar com os delitos cometidos contra povos tradicionais, uma vez que esses casos apresentam especificidades culturais, territoriais e jurídicas que exigem um tratamento diferenciado das demais infrações ambientais.