Os jogos de um único jogador — ou single player, se preferir — sempre foram minha zona de conforto. Num soulslike, por exemplo, o fracasso é só meu e o sucesso também. Não tem ninguém para aloprar a jogatina e, honestamente, esse é o cenário ideal.
O problema é que esse ambiente, que mistura paz e caos na medida certa, também satura. É aí que entram os jogos multiplayer. De vez em quando, eles brilham mais, principalmente quando surge a chance de jogar com amigos distantes ou conhecer gente nova nesse processo.
Só que o online é um pântano. Um terreno cheio de encrencas, mal-entendidos e, claro, gente mal-amada — nada muito diferente da vida per se em alguns momentos. Muitas vezes prefiro continuar sozinho a ouvir opiniões não solicitadas sobre meu jeito de jogar. A competitividade é natural nos games, mas sempre existe quem leve isso a um nível doentio.
É nessas horas que minha persona de “gamer casual” aparece. Não acho saudável o nível de cobrança imposto por outros jogadores. Para mim, ser gamer não é xingar, frustrar ou humilhar outros players: é explorar o jogo, platinar, fazer as conquistas, aproveitar tudo o que ele oferece.
Quando entro em um multiplayer, silencio o chat de texto e voz. O que se lê e escuta ali é, em parte, um reflexo cru da sociedade: preconceitos, frustrações e ofensas despejadas em um espaço que nunca foi pensado pelos desenvolvedores como depósito de miséria pessoal.
Mas por que ali? Porque os jogos não são apenas um espelho da sociedade; eles são um amplificador.
O ambiente online cria a tempestade perfeita: o anonimato encoraja a covardia, a competitividade transforma a derrota em uma humilhação pública que precisa ser transferida para o outro, e a busca por poder se torna uma válvula de escape. Para muitos, o único lugar onde se sentem no controle não é na vida real, mas ao dominar e humilhar um estranho por meio de um avatar e da fala num microfone.
Isso é ainda mais preocupante se considerarmos que uma porque boa parte dessas atrocidades vem de garotos que, em teoria, nem deveriam estar ali — afinal, existe algo chamado “classificação indicativa”, embora tratada como lenda urbana por muitos pais que se esquecem de ser responsáveis
Se já é desgastante para um homem escutar as asneiras desse ambiente, para mulheres é ainda pior. Eu mesmo já escutei vários relatos de amigas que sofreram algum tipo de assédio e/ou exclusão
Um exemplo que simboliza bem o ambiente tóxico é Call of Duty Warzone. O nome é levado a sério demais… tá… é uma zona de guerra, mas, quase sempre, os jogadores entram demais no personagem. O game fede a testosterona, a homem que não toma banhos regulares, o que não lava o próprio prato após uma refeição e que quando perguntado sobre uma mulher que o inspire em alguma área da vida a sua resposta é sempre o clichê: a mãe.
Só por aí já é possível ter uma noção de como é um ambiente super saudável.
Nas redes, não faltam vídeos mostrando como jogadoras são tratadas quando tentam se impor nesse espaço majoritariamente masculino (seja nas narrativas, no desenvolvimento ou nas posições de liderança).
Confira abaixo uma situação no Warzone
@rayanabainy Proibido ser milher e jogar bem po 😂 #warzone #callofduty #rage #hacker ♬ som original – Rayana
No fim das contas, talvez o problema não esteja nos games, mas em quem joga. O ambiente competitivo sempre vai existir — faz parte da natureza dos jogos. A questão é até que ponto ele precisa ser hostil. Enquanto a diversão continuar sendo confundida com humilhação, o mundo dos games vai seguir espelhando o pior da sociedade que o alimenta.