De tanto ver o pai atolado em dívidas, que a cada dia aumentavam mais; andando pelos cantos da casa, acabrunhado e triste, reclamando da vida, falando até em suicídio, a filha, de dez anos de idade entendeu de saber o que de fato estava acontecendo.
— São os agiotas, minha filha, que não deixam seu pai em paz!… – esclareceu sua mãe.
— Mãe, o que é agiota? – indagou a garota.
— Uai, agiota é um sujeito… Não conseguiu completar a resposta.
— É um vampiro que suga o dinheiro dos coitados que estão com a corda no pescoço, deixando na miséria – interferiu o irmão mais velho, interrompendo a resposta da mãe.
— Também não é bem assim, né meu filho! – retrucou a mãe.
— Mãe, agiota vai pro céu? – insistiu a menina, na sua inocência de criança, diante do sofrimento de seu pai.
— Só se for pro céu da boca da onça! – antecipou novamente o irmão, já sem paciência e com voz alterada.
— Por que a pergunta, minha filha? – quis saber a mãe.
— É que escutei o papai, nervoso, falando que agiota não tem alma, não tem coração, não tem dó de ninguém, não tem Deus, que devia ir tudo era pro inferno!
— E o que tem a ver uma coisa com outra?
— Uai, mãe, se agiota não tem alma e não tem Deus, como é que ele entra no céu, que é de Deus? Deus não vai deixar, vai?
— Bem, se o agiota empresta dinheiro cobrando juros altos, é porque têm os bobos que vão tomar emprestado, você não acha?
— E só por isso o agiota pode tomar os trem tudo dos outros, deixando pelados, sem nada?
— Não, não pode – concordou a mãe, isso é desumano.
E a conversa encerrou por aí, com a intromissão de outros assuntos mais importantes. Mas a curiosidade da filha era procedente. Ela via o pai atolado em dívidas até o pescoço, tendo de entregar tudo o que possuía aos agiotas, após uma vida inteira de trabalho duro e incansável.
Alberico, um desses emprestadores de dinheiro, era homem austero, egoísta e de uma fortuna fabulosa. Dizia-se ateu. Para ele, o Deus preponderante era o dinheiro. Valia-se da prepotência para acumular bens. Quanto mais tinha, mais queria ter.
— O saco da ambição não enche! – comentavam os vizinhos.
— O homem tá podre de rico e não tá satisfeito, vive fazendo ruindade p’ros outros! – bradavam as pessoas.
— Depois morre e não leva nem o chapéu! – ironizavam.
Ele possuía um farto arquivo de agiotagem, em que registrava a multiplicação de seu patrimônio em curto espaço de tempo. Tomou terra de muita gente pobre. Homem sem coração, que não tinha temor a Deus.
Certa vez, Alberico foi até a casa de um de seus devedores, a fim de receber o seu crédito. O coitado não podia pagar. O débito fora elevado a um montante astronômico, por conta dos juros abusivos. Mas o argumento do credor era fulminante: “Ou paga, ou corre, ou morre!”
Dinheiro para pagar a dívida o pobre homem não tinha; morrer não estava em seus planos; correr foi a única alternativa que lhe restou. E foi o que fez. Deixou as terras como pagamento da dívida.
Esse foi apenas um episódio de uma série de tantos outros que ajudaram a formar o vasto patrimônio de Alberico. Sempre usando a mesma argumentação: “Ou paga, ou corre, ou morre!”.
Por causa desses e de outros defeitos, Alberico era muito praguejado pelas pessoas: “Tomara que um boi lhe dê um coice na testa!”; “Queria ver um raio partir a cabeça dele!”; “Vai morrer numa cadeira de rodas!”
Ninguém gostava dele. Quando alguém se referia à sua pessoa, fazia-o dizendo: “Aquele canalha!…”, “Aquele coisa-ruim!…”, “Homem sem-coração, que não tem dó de ninguém!”
A maldição pegou. No que foi correr de um touro desembestado, tropeçou no cachorro da espora e levou uma chifrada na espinha, tombando imóvel no meio do curral.
A cadeira de rodas foi o seu destino. Não morreu por sorte, pois faltou pouco para o boi pisoteá-lo. As pessoas da vizinhança, que Alberico vitimou e intimidou durante muito tempo, passavam de vez em quando por lá para assistir aos seus ais e para ouvi-lo maldizer a vida.
Sua fortuna entrou pelo ralo dentro de pouco prazo. Apesar de todo o dinheiro que tinha, a medicina não foi capaz de curar as suas imperfeições físicas, muito menos as dores agudas da sua alma.
Morreu pobre e solitário, sem ninguém por perto ao menos para empurrar a sua cadeira de rodas ou para sussurrar-lhe no ouvido alguma palavra de consolo.