Nos últimos anos, as redes têm sido palco para a visibilidade de uma comunidade no mínimo particular: os therians. Essas pessoas afirmam sentir uma identidade profunda e involuntária com determinados animais, uma experiência que vai muito além da simples admiração ou de um hobby.
O que para uns pode ser considerado algo não muito conectado com a realidade, para outros é um estilo de vida. Mas o que realmente significa ser um therian?
O que é ser um Therian?
O termo “therian” é uma abreviação de “teriantropo”, que combina as palavras gregas theríon (animal selvagem) e ánthropos (humano). Indivíduos que se identificam como therians sentem que — em um nível integral e não físico — são um animal. Essa identificação é com animais que existem ou já existiram na Terra, como lobos, gatos ou dinossauros.
Há quem use máscaras e luvas para simular parcialmente ser um animal, e há quem de fato se vista com trajes de modo a “entrar de fato” na pele de um animal.
Para a maioria, essa identidade não seria uma escolha, mas uma parte intrínseca de quem são, muitas vezes sentida desde a infância. Na internet, não é incomum, ao pesquisar sobre o tema, encontrar alguns relatos de experiências como “shifts” (mudanças mentais temporárias para um estado de consciência mais animal) ou a percepção de membros fantasmas — a sensação neurológica de ter uma cauda, orelhas ou asas que não existem fisicamente, um fenômeno também documentado em pessoas amputadas.
Aspectos psicológicos e sociais
A identidade therian é distinta de transtornos psiquiátricos, como a licantropia clínica. A licantropia clínica envolve a crença delirante de uma transformação física real em um animal e está frequentemente associada a episódios psicóticos. Em contraste, os therians estão plenamente cientes de que seus corpos são humanos; a sua identidade é interna e não literal.
O sofrimento psicológico que alguns therians afirmam vivenciar raramente está ligado à identidade em si, mas sim às consequências sociais. A angústia geralmente surge do estigma por conta de piadas, julgamentos, da falta de aceitação por parte da família e da sociedade, e do sentimento de isolamento.
Em vez de ser um sintoma de um transtorno, esse sofrimento é frequentemente uma resposta a um ambiente que não compreende ou valida a sua experiência.
Comunidade e presença online
Essa comunidade viralizou principalmente em plataformas como TikTok, Instagram e YouTube. Nesses espaços, é comum ver jovens usando máscaras e caudas e praticando “quadrobics” (correr e saltar de quatro).
Nisso, é importante notar que, embora essas atitudes ou expressões sejam populares, elas não são requisitos para ser um therian. A identidade é, na sua essência, uma experiência interna, e nem todos os therians a expressam externamente.
Fóruns online mais antigos, como o Therian Guide, são espaços de discussões e apoio mútuo sobre essa causa.
Identidade “Transespécie”
Alguns membros da comunidade therian usam o termo “transespécie” para descrever sua identidade, traçando um paralelo com a experiência de pessoas transgênero, que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer.
Essa analogia é usada para articular a “disforia de espécie” — um profundo desconforto ou a sensação de estar “preso no corpo errado”.
No entanto, essa comparação é altamente controversa. Muitos membros da comunidade transgênero e seus aliados a rejeitam, argumentando que ela banaliza as lutas médicas, sociais e políticas específicas das pessoas trans e pode ser usada como “munição” para argumentos transfóbicos.
Apesar da controvérsia, existe uma sobreposição considerável entre as comunidades, com muitos therians também se identificando como transgênero, o que torna o debate ainda mais complicado.
Complexidade
Os therians representam uma expressão complexa da identidade humana, desafiando as fronteiras convencionais entre o humano e o não humano. Embora suas experiências possam parecer incomuns, é essencial abordá-las com respeito, reconhecendo que a identidade é uma jornada profundamente pessoal e multifacetada