No grande oceano de assuntos da internet, poucas teorias da conspiração fizeram tanto sucesso quanto a dos reptilianos — a de que o mundo é secretamente governado por uma elite de alienígenas lagartos que mudam de forma. Spoiler: ela pode ter perdido força nos tempos atuais, mas não é apenas uma piada de fóruns dos anos 2000
Dados de pesquisas de opinião pública mostram o seu alcance. Uma das mais lembradas, realizada em 2013 pelo instituto Public Policy Polling (PPP) nos Estados Unidos, por exemplo, revelou algo que surpreende quem não conhece os estadunidenses: 4% dos eleitores registrados afirmaram acreditar que “pessoas-lagarto (reptilianos) que mudam de forma controlam nosso mundo”.
Embora 4% seja uma minoria estatística, isso representava na época cerca de 7,8 milhões de eleitores registrados apenas nos EUA (com base nos dados de registro eleitoral de 2012).
Mas de onde veio essa ideia? E como ela se disseminou de forma tão eficaz? A resposta é uma combinação de um autor específico, um timing perfeito e uma nova tecnologia revolucionária.
O marco zero
A popularização moderna da teoria reptiliana tem um marco zero claro: o teórico da conspiração britânico David Icke.
Segundo o livro “The Biggest Secret” (O Maior Segredo), publicado por Icke em 1999 , o planeta é controlado há milênios por uma raça de humanoides reptilianos que mudam de forma. O livro alega que essa raça é originária da constelação de Draco (a constelação de Dragão, sim, a do Shiryu, para quem assistiu um certo anime com cavaleiros que fez sucesso no Brasil nos anos 90 vai saber do que se trata).
Na obra, Icke sintetizou várias teorias da conspiração (Os Illuminati, Nova Ordem Mundial) em uma única “grande teoria”. Segundo ele, as famílias reais (especialmente a britânica), líderes políticos globais (como os Bush) e celebridades são, na verdade, parte dessa linhagem reptiliana.
O veículo
O livro de 1999 foi lançado no momento exato em que a internet começou a se tornar uma ferramenta de massa. Este detalhe foi crucial para que a teoria ganhasse adeptos pelos confins da web.
No início dos anos 90, David Icke já era uma figura pública no Reino Unido, mas a mídia tradicional ridicularizou a sua figura após ele fazer alegações bizarras na televisão. A imprensa o tratava como uma piada, limitando o seu alcance.
A internet, no entanto, mudou o jogo. Fóruns, sites de conspiração, blogs e, um pouco mais tarde, plataformas como o YouTube, tornaram-se o veículo perfeito. As ideias de Icke, detalhadas em “The Biggest Secret” e em documentários como “The Reptilian Agenda” (também de 1999) , conseguiram se espalhar globalmente sem o filtro ou a análise da imprensa tradicional.
Conforme aponta o cientista político Michael Barkun, autor de “A Culture of Conspiracy” (Uma Cultura de Conspiração) , a obra de Icke funciona como uma “superconspiração” , pois conecta diversas teorias menores sob uma única narrativa abrangente, tornando-a atraente para quem busca uma explicação totalizante para os eventos mundiais.
Raízes antigas, embalagem moderna
Vale dizer que o David Icke não reiventou a roda, afinal o conceito de um “povo-serpente” já existia. A narrativa do livro “The Biggest Secret” se baseia em ideias muito mais antigas.
Muitas culturas e mitologias antigas (como as mesopotâmicas , asiáticas e mesoamericanas ) têm mitos de deuses ou demônios com características de serpente ou réptil.
Além disso, o conceito foi amplamente explorado na ficção “pulp” do início do século XX. O autor Robert E. Howard, famoso por criar “Conan, o Bárbaro”, escreveu sobre “homens-serpente” em suas histórias de fantasia nos anos 1920 e 1930 (especificamente, na história “The Shadow Kingdom”, de 1929).
No entanto, foi a versão de David Icke de 1999 — que acusava líderes mundiais específicos e vivos de serem lagartos alienígenas — que se tornou o fenômeno viral que persiste até hoje em camadas mais profundas da internet.









