A Batalha de Karansebes é uma das melhores “fofocas” da história militar. A versão popular parece um roteiro de comédia pastelão: em 1788, um exército austríaco de 100 mil homens se autodestruiu antes que o inimigo, o exército otomano, chegasse.
Mas, como toda boa lenda, a verdade é bem menos cômica e bem mais confusa.
Aguardente, pânico e confusão linguística
O conto popular, ambientado na atual Romênia durante a Guerra Austro-Turca, é famoso. A história diz o seguinte:
- A causa: Um grupo de hussardos (cavalaria) compra todo o schnapps (aguardente) de vendedores ciganos locais.
- O conflito: A infantaria chega e exige sua parte da bebida. Os hussardos, já bêbados, recusam. A briga evolui.
- O pânico: No meio do caos, um tiro é disparado e alguém grita “Turci! Turci!” (Os turcos!).
- O caos: As tropas em pânico fogem de volta ao acampamento principal. Oficiais alemães, tentando parar a debandada, gritam “Halt! Halt!” (Parem!). Em um exército multinacional (cheio de húngaros, sérvios e croatas), esse grito teria sido confundido com “Allah! Allah!”, o grito de guerra otomano.
- O fim: A artilharia abre fogo contra os próprios homens, e o exército se estilhaça em fogo amigo. A lenda termina com os otomanos chegando dois dias depois, encontrando 10.000 baixas e tomando a cidade sem esforço.
Separando o Schnapps dos fatos
Essa história é boa demais pra ser totalmente verdade. A investigação histórica desmonta os elementos:
A origem da Lenda: Os detalhes mais vívidos (a aguardente, a confusão “Halt/Allah”) não aparecem em nenhum relato de 1788. Eles só surgiram 40 anos depois, em 1831, numa revista militar austríaca. Parece mais um “embelezamento” posterior para explicar um vexame.
O Mito das 10.000 baixas: Esse número é uma hipérbole (exagero, para os menos íntimos). Ele foi popularizado apenas em 1968, numa biografia do Imperador José II escrita por Paul Bernard. Registros da época culpam doenças (malária, disenteria) pela vasta maioria das perdas austríacas na campanha. As baixas reais do incidente de pânico foram, provavelmente, na casa das centenas, não dos milhares.
O que realmente aconteceu
Embora a festa bêbada seja provavelmente folclore, um desastre real aconteceu em Karansebes. Fontes contemporâneas, como a revista londrina The European Magazine, confirmam três fatos cruciais:
- Houve pânico: O exército austríaco era, de fato, uma colcha de retalhos multinacional com sérios problemas de comunicação. A revista relatou que eles foram tomados por um “pânico dos mais inexplicáveis” durante a noite.
- Houve fogo amigo: O mesmo relato confirma que, no pânico, “os regimentos dispararam uns contra os outros”.
- Houve uma retirada: O exército austríaco, desorganizado, recuou. Dois dias depois, o exército otomano real, liderado por Koca Yusuf Pasha, chegou, encontrou Karansebes indefesa e a capturou.
No fim, a Batalha de Karansebes não foi a farra de álcool que a lenda descreve. Foi algo talvez pior: um colapso real de comando, comunicação e moral, que prova que um exército confuso pode ser tão perigoso para si mesmo quanto qualquer inimigo.









