Certo dia, um dia de trabalho como tantos outros, em uma comarca do interior de Goiás… Marido e mulher iniciam conversa cautelosa. Apreensivos e curiosos com o que podia estar acontecendo com seus vizinhos.
– Juquinha, quê que significa TCO? – indagou a esposa, diante de um caso ocorrido ali na vizinhança.
– Sei lá, mulher, como é que eu posso saber se nunca deparei com um trem desses na minha frente!
– Não, Juquinha, deixa de ser bobo. Isso não é bicho que morde não. É trem chique, lá da justiça.- Então me diga: quê que é TCO? – devolveu a pergunta à sua mulher.
– Uai, se eu soubesse não tava perguntando. A vizinha aí do lado é que foi intimada pelo oficial de justiça, pra uma audiência de TCO. Fiquei curiosa pra saber o quê que é isso, mas não tive coragem de perguntar.
– Aconteceu alguma coisa com a vizinha?
– Decerto aconteceu, tão pra lá até agora. Ouvi falar que ela e a vizinha do lado de lá trançaram nos tapas por causa das bobagens que os filhos delas estavam aprontando.
– Sexo, será?
– Não, não sei direito, mas parece que sexo não é não. A Tuquinha vem chegando de lá, tinha ido bisbilhotar, ela deve saber explicar direito pra nós. Vamos perguntar pra ela.
Foi tocar no assunto e a fofoqueira da Tuquinha já veio com as informações prontinhas, na ponta da língua e com a cara muito lambida. Disse ela:
– Ah, trem mais besta!… A vizinha de cá deu parte da vizinha de lá, dizendo que ontem, ali quase escurecendo, o filho da vizinha de lá, um bodão de 16 anos de idade, soltou um “pum” bem grande na cara do seu filho, um bostinha já de uns 7 anos, mas que também não é flor que se cheire, começando aí um bate-boca entre os dois moleques. E aí as duas mães entraram no meio e a coisa engrossou: foi uma discussão dos diabos e logo travaram nos empurrões e pescoções, unhadas, mordidas, xingatórios… Grudaram nos cabelos uma da outra, rasgaram as roupas e rolaram no chão até ficarem nuas.
– Nuas, assim, peladas de verdade, do jeito que viero ao mundo? – quis saber Juquinha.
– Ah isso eu não sei, ninguém falou nada disso lá não. A discussão era sobre os “pum”.
– Ah, Juquinha, deixa de ser assanhado! – interpelou a esposa. – O caso ainda não acabou. Fica calado pra Tuquinha acabar de contar!
– Só pararam de brigar porque a polícia chegou e apartou, senão estavam rolando na poeira até hoje.
– Conta mais, conta!…
– Só sei que o caso foi parar na justiça. As duas briguentas foram levadas até a presença do juiz para responder a um tal de TCO.
– Que mais? Conta tudo que ocê sabe!…
– Lá no pé do juiz, o principal argumento das briguentas era, de um lado, que o marmanjo de 16 anos estava acostumado a soltar “pum” na cara dos meninos da Vila e ninguém tomava nenhuma providência. E que justiça tinha que ser feita, pois não é direito um mal-educado desses sair por aí fazendo essas coisas feias, isto é, “peidando” em todo mundo e ficando por isso mesmo. A outra mulher rebatia, dizendo pro juiz que o menino de 7 anos de idade não era nenhum santo, que foi ele quem peidou primeiro para insultar o seu filho.
– Que coisa mais feia, hem Tuquinha!…
– Feio foi o que o Juiz falou pra elas.
– Quê que ele falou, conta logo!…
– Ele ficou abismado diante daquela baixaria, “mais apropriada para um picadeiro de circo do que para um plenário forense”, nos dizeres da autoridade. No começo ele até que esboçava sinal de que tava achando graça, mas depois foi enfezando, enfezando… E aplicou um corretivo nas mães dos “peidadores”, esclarecendo que a justiça tem mais o que fazer e não pode perder tempo e ficar por conta dessas besteiras não. Falou também que elas deveriam procurar um meio de trabalhar e educar melhor seus filhos, pois se aparecessem ali novamente com histórias daquele tipo iriam parar no xadrez.
– Bem feito!… Bem feito!… Mas, Tuquinha, você que acompanhou toda a questão, me mata uma curiosidade: o que é mesmo TCO?
– Saber, saber messsssmo, eu não sei, mas posso afirmar que coisa boa não é não, pois que o juiz falou trem demais pra elas! E ninguém deu um pio, pois todo o mundo percebeu o tanto que ele tava brabo!…
Nota: Estava em início de carreira, quando fui nomeado pelo juiz para acompanhar o caso. Foi muito divertido. Coisa assim, arquivada no farto acervo das memórias forenses.