Os deputados federais reclamam que os ministros do STF invadem suas prerrogativas e cerceiam suas liberdades. Mas, quando ficam sozinhos no parquinho, aprovam a PEC da Blindagem – que dificulta a abertura de processos criminais e prisões de parlamentares – e a celeridade para votação da Anistia, uma na pegada da outra.
Pela nova regra do jogo, quando um deputado ou senador fizer caca, a turma reunida é que vai votar, em segredo corporativista e tudo, se o dito será ou não investigado. Será? Pouco importa se o quintal ficar sujo e mal lavado. Não é a casa da mãe Joana? E a anistia… aaah, a anistia…
A PEC foi aprovada em primeira votação por 354 votos a 134, na noite de terça. O clima ainda era de ressaca, na manhã seguinte, quando de repente os parlamentares perceberam que tinham deixado escapulir, na madrugada, a obrigatoriedade de a autorização para a abertura de processos criminais contra deputados e senadores seja feita em voto secreto. Correram.
Um puxadinho (emenda aglutinativa) foi erguido imediatamente e votado, derrubando o voto anterior pelo placar de 314 a 168. Tudo voltou ao normal, enfim.
Restabelecida a paz de espírito dos que devem – ou sabem que em algum momento vão dever – à Justiça explicações sobre o inexplicável que fizeram, como mandar emendas Pix sem transparência, sem necessidade de comprovação e sem vergonha, foi então sacramentada a blindagem segunda votação: 344 a 133 votos.
A anistia… aaah, a anistia…
Na quarta mesmo, pouco antes da meia noite, outra votação para outro interesse devidamente atendido: os impávidos colossos do nobre Parlamento brasileiro aprovaram, por 311 a 163 votos, o requerimento de urgência para o projeto de lei que concede anistia a todos os envolvidos nos atos golpistas (ou antidemocráticos) ocorridos desde outubro de 2022.
Moralidade, defesa da Pátria, transparência contra a corrupção, interesse público, tudo veio do pó e ao pó voltou, no rastro do oportunismo, da vingança, ou das duas coisas juntas, após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF. Para reparar o que veem como injustiça, os apoiadores e seguidores do ex-presidente decidiram lutar bravamente contra tudo e contra todos, desafiando a democracia, em favor da salvação de um – um condenado.
Na pauta de urgências dessa brava (em sentido literal) gente brasileira, ficam adiadas as bandeiras de ordem do progresso, e passam a ser prioridade absoluta as manobras de desordem unida na Câmara.
Acima de tudo e invocando Deus acima de todos, os mais de 300 deputados reunidos em nome de Bolsonaro para jamais serem vencidos em suas vontades e articulações mostraram a que vieram: falam uma coisa, fazem outra. Falam em dar um jeito no Brasil, mas querem mesmo é um jeitinho brasileiro de se dar bem.
Moral e cívico mecanismo político de sempre, com cara de novo. Nada de velho no front.
A esperança agora vai para o Senado junto com a PEC da Blindagem e a celeridade para a anistia. Caso prevaleça a vontade de seu presidente, Davi Alcolumbre, as duas pautas entrarão em um túnel de tempo esticado, sem pressa. Uma forma sutil de esfriar os ânimos e as tentações pouco republicanas.
Alcolumbre, fazendo isso, somará mais pontos como contraponto ao presidente da Câmara, Hugo Mota. Mota fala em pacificar os ânimos, embora os últimos dias tenham sido de elevação da temperatura do País.
O senador também quer pacificação, mas em outros termos, por caminhos institucionais. Em vez de zerar tudo em uma retumbante salvação geral da lavoura, manter o foco no resultado democrático nacional: não passar pano para nada.