As redes sociais vêm se unindo contra a escala de trabalho 6×1, na qual o trabalhador atua por seis dias seguidos com um de descanso.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) levou essa pauta ao Congresso Nacional por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), conseguindo as 194 assinaturas necessárias para que a proposta avance. Contudo, a PEC pode enfrentar entraves legais e específicos de alguns setores, o que pode prolongar o debate.
A reforma trabalhista de 2017 estabelece que acordos coletivos entre sindicatos e entidades patronais têm prioridade sobre a legislação em questões de jornada de trabalho.
Para a professora de direito trabalhista Olívia Pasqualeto, da FGV, a estratégia da deputada ao propor uma PEC é justamente evitar um confronto direto com a CLT. “Considerando a hierarquia das normas, a Constituição está acima da CLT. Assim, a previsão de que convenções e acordos prevalecem sobre a lei vale para leis ordinárias, não para a Constituição Federal”, explica Pasqualeto.Mesmo que a PEC não avance, uma mudança pode ocorrer.
Segundo Maurício Forés Guidi, sócio da área trabalhista do Pinheiro Neto Advogados, nada impede que sejam instituídas novas escalas de trabalho — incluindo a semana de quatro dias —, mas o método para promover essa alteração é questionável.“A questão é se isso deve ser imposto de cima para baixo, através de uma emenda constitucional ampla e obrigatória, ou de baixo para cima, com negociações coletivas que respeitem as realidades de cada setor, empresa e região”, observa Guidi.
Contexto do Projeto
A proposta para acabar com a escala 6×1 tem origem no movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que ganhou visibilidade no TikTok e se espalhou pelas redes. A PEC apresentada pela deputada propõe reduzir a carga semanal para 36 horas, substituindo as atuais 44. Em prática, a mudança significaria quatro dias de trabalho e três de folga, caso as 8 horas diárias sejam mantidas.Pasqualeto destaca que a PEC mantém espaço para negociação coletiva, como já ocorre.
“A PEC prevê que a compensação de horas pode ser acordada em convenções coletivas, o que dá margem para ajustes na organização do trabalho conforme as necessidades dos setores,” afirma.As 36 horas semanais se tornariam a base, a ser organizada conforme o acordo entre patrões e trabalhadores. Pasqualeto lembra que algumas categorias já têm escalas específicas, como os bancários, que trabalham seis horas diárias, e que o debate sobre a redução da jornada de trabalho não é novidade no Congresso Nacional.
No projeto, Hilton defende que a mudança na Constituição é uma resposta a um movimento global por condições de trabalho mais flexíveis, considerando a adaptação do mercado de trabalho às novas demandas por qualidade de vida para os trabalhadores e suas famílias.Guidi, por outro lado, alerta que os benefícios propostos podem acabar neutralizados. “As empresas podem compensar a redução da jornada com horas extras ou banco de horas, reduzindo os ganhos práticos da mudança,” argumenta. Ele acrescenta que, em vez de novas contratações e capacitação, as empresas poderiam investir na automatização de processos.
Escala 6×1 vs. Negociação
Hoje, a escala 6×1 — vista pelo projeto como uma das mais desgastantes para os trabalhadores — é frequente em setores como o varejo e a indústria. Representantes das entidades consultadas pela Forbes Brasil compartilham da opinião de Guidi: a imposição da redução da jornada por lei poderia dificultar mais do que ajudar.A Confederação Nacional da Indústria (CNI) expressou sua preferência por negociações setoriais, alegando que a obrigatoriedade via lei enfraqueceria o diálogo. Segundo a CNI, as dificuldades impostas por uma nova legislação afetariam especialmente os micro e pequenos empresários.“O argumento de que a redução da jornada cria empregos é equivocado; o que impulsiona o emprego é o crescimento econômico, que deve ser o foco de nossa agenda nacional.
A Constituição já aponta que a negociação coletiva é o meio adequado para ajustes de jornada,” afirma em nota o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan.O Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) reforça que, no setor varejista, é essencial operar continuamente, principalmente aos finais de semana, devido à alta demanda de consumo.“Uma mudança geraria aumento nos custos operacionais, que acabaria impactando o preço dos produtos e dificultando a operação, levando, em alguns casos, ao fechamento de lojas ou suspensão das atividades em alguns dias,” justifica o instituto.O IDV também menciona que setores como saúde precisam de flexibilidade para manter as operações em funcionamento, algo que pode ser comprometido com uma escala 4×3.
A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) não respondeu até o fechamento desta matéria. Já a Associação Paulista de Supermercados (APAS) afirmou que o provável aumento nos custos impactaria os preços em um setor que já enfrenta escassez de mão de obra.